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A Universidade e a Construção do Pensamento Crítico

 

 

Começo este artigo socorrendo-me de duas citações de eminentes figuras da história universal:

“Quando todos pensam da mesma maneira, é porque ninguém está a pensar”.  (Walt Lippmann)

“Reserve o seu direito de pensar, mesmo pensar errado é melhor do que não pensar”. (Hipátia de Alexandria)

Um dos primeiros filósofos a usar a expressão "Critical Thinking" como título de um livro de lógica foi Max Black (1946). Outros autores preferiram títulos como "A arte de raciocinar", "Lógica prática", "Lógica aplicada" e muitos outros títulos, ou usaram ainda a expressão "Lógica Informal". O pensamento crítico tem hoje como objectivo evitar as pressões sociais que levam a estandardização e ao conformismo, assim, o pensador crítico procura entender como reconhecer e atenuar ou evitar distintos equívocos aos quais é submetido todos os dias. 

O pensamento crítico foi sempre uma pedra angular no caminho de desenvolvimento da humanidade: o pensamento crítico apareceu muito antes de que a escola tivesse sido inventada e está na base da própria civilização. Neste sentido, o interesse pelo estudo do pensamento, como objecto de investigação, não é uma ideia recente. Para Dewey, o verdadeiro precursor do pensamento crítico do século XX, o desenvolvimento do pensamento crítico deve ser objectivo fundamental da educação.

 A juízo da Professora Doutora Arlinda da Conceição Francisco, docente da ISCED Sumbe que defendeu a sua tese de doutoramento sobre o assunto (Pensamento Critico), “pensar criticamente implica seguir a linha das evidências até onde elas levem a pessoa a ter em conta todas as possibilidades, confiar mais na razão do que na emoção, ser precisos, considerar toda a gama de possíveis pontos de vista e explicações, balancear os efeitos das possíveis motivações e prejuízos, estar mais interessados em encontrar a verdade do que de ter a razão, não rechaçar nenhum ponto de vista ainda que sejam impopulares, estar conscientes de todas as atitudes individuais, actos e acções para impedir que influam nos juízos pessoais e da geopolítica identitária e cultural”, nos desafia a uma interação consciente, lúcida e criativa. As soluções de ontem, e até as de hoje, têm procurado responder, com cada vez maior dificuldade, às questões complexas que enfrentamos. Experimentamos hoje, porém, oportunidades únicas de desenvolvimento técnico e científico e de encontro entre todos os seres humanos.

Para Guzmán e Sánchez (2006), a noção de pensamento crítico é um conceito multidimensional que incorpora vários elementos: intelectuais (raciocínio), psicológicos (auto consciência e disposições), sociológicos (contexto socio-histórico), éticos (moral e valores) e filosóficos (ontológico).

Tendo como alicerce o conceito de Educação como processo continuado de autonomia e do sentido da responsabilidade, de solidariedade e do respeito pelo alteridade e de intercâmbio de saberes e de culturas, é seu dever contribuir para a formação de cidadãos que pensam de forma profunda e consciente nos planos tanto pessoal e científico, como nos da afectividade e aprendizagem, da participação cívica e dos desafios da solidariedade. 

Do mesmo modo, o pensamento crítico passa certamente por "dar a nossa opinião" mas isso não é suficiente. Podemos perfeitamente dar a nossa opinião e não estarmos de modo algum a pensar de modo crítico, na verdade, basta ouvir alguns dos nossos políticos e os nossos grandes "intelectuais" a falar na televisão ou na rádio para assistir a esse espetáculo degradante. 

Segundo Desidério Murcho “o pensamento crítico é o pensamento que sabe usar os instrumentos argumentativos à nossa disposição, que são disponibilizados pela lógica formal e informal. Pensar criticamente é saber sustentar as nossas opiniões com argumentos sólidos e não cometer falácias nem basear as nossas opiniões em jogos de palavras e em maus argumentos de autoridade e abuso de poder”. 

A filosofia e o pensamento crítico são a nossa melhor defesa contra a superstição. Perante as afirmações temerárias dos astrólogos, de alguns líderes religiosos e de alguns políticos, a filosofia e o pensamento crítico dão-nos instrumentos para reflectir sistemática, rigorosa e claramente, de modo a determinarmos se isso que eles dizem é ou não realmente sustentável. 

A filosofia ajuda-nos a encontrar essas respostas, precisamente. Este é apenas um exemplo; há muitos mais, como os problemas relacionados com a pobreza no mundo, com os refugiados, com a ecologia e o ambiente. 

A filosofia e o pensamento crítico implicam a tolerância e o respeito, que tanta falta faz no mundo contemporâneo. A filosofia e o pensamento crítico exigem uma postura de cordialidade atenta, pois temos de escutar cuidadosamente os argumentos das outras pessoas para, juntos, encontrarmos argumentos melhores e soluções mais adequadas. 

Em Angola, mais do que nunca, estamos a precisar do exercício de consciência critica. Consciências capazes de denunciar fanatismos, delírios e histerismos. Consciências capazes de anunciar outras e novas alternativas. Consciências bem informadas, capazes de propor estratégias adequadas de actuação na realidade quotidiana.

Cabe a Universidade assumir o papel de cultivadora, de alimentadora de criticidades para que possam surgir consciências criticas. Olhando mais de perto precisamos de começar, talvez antes de mais, por uma auto consciência critica. A auto consciência crítica é a base, o princípio e o dinamismo de qualquer consciência social.

A consciência crítica surge e desenvolve-se a partir de um paradigma ou de um ponto de referência. O paradigma inspira a observação, a percepção, a compreensão, e alia-se à crítica de uma realidade. O paradigma constitui-se da filosofia, da ideologia e de todo conjunto de valores culturais de uma pessoa. Ele estabelece o lugar de onde a consciência vê, percebe, fala e critica. Por isso, a consciência critica não é uma conquista, nem um facto dado, nem um bem adquirido, mas ela é uma atitude e um comportamento que se refazem e se renovam a cada momento. 

Mais do que ter consciência critica, é preciso ser consciência crítica. Ser consciência critica, portanto, não é fixar-se em uma perspectiva, mas mergulhar no movimento que conduz as múltiplas direções para captar-lhes o espectro que fornece a maior abrangência possível dos acontecimentos e revele a velocidade com que os mesmos se sucedem.

Os historiadores, mostram-nos factos, onde a consciência critica não teve espaço. O Nazismo e o Fascismo e o Comunismo fracassaram, segundo uma ética histórica, porque lhes faltou a consciência critica. Essas correntes, mostraram, porém, a sua força; a força do fanatismo e do histerismo e da brutalidade. 

O pensamento crítico é um sistema aberto, transversal a todos os campos do saber, que potencia a formação de cidadãos que pensam de forma profunda e consciente nos planos científico, intelectual e cívico. Tendo como base a convicção fundamentada de que existe uma relação directa entre o estudante que pensa criticamente e a aprendizagem de novos conhecimentos a níveis profundos, deve ser propósito da Universidade levar cada estudante a:

- Entender que o complexo processo de pensar criticamente faz parte de tudo o que fazemos e se baseia em competências como a observação, ou a leitura e escrita atentas;

- Tomar consciência da importância de estar munido de critérios bem definidos quando procura e gere informação, de maneira a obter resultados mais fiáveis;

- Reconhecer as diferentes estratégias de pensamento crítico e de resolução de problemas no contexto de diversas disciplinas e variados receptores;

- Avaliar a qualidade da argumentação e da evidência de acordo com os contextos em que surgem;

- Reflectir e optar com base em informação plural, cada vez mais acessível e em maior quantidade;

- Utilizar a escrita, a leitura e a expressão oral de modo a contribuir para o seu desenvolvimento enquanto interveniente em contexto académico;

- Desenvolver transversal e profundamente, e apresentar publicamente, uma ideia ou uma lógica de argumentação com base na análise cuidadosa da evidência.

 

Amílcar Inácio Evaristo, Ph.D.

Biólogo e Psicólogo

Professor Associado da Universidade Agostinho Neto-ISCISA (Instituto Superior de Ciências da Saúde)

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