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A Qualidade do Ensino Superior em Angola (Do estado real ao estado desejado)

 

A qualidade do ensino superior em Angola é uma preocupação constante de estudantes, professores, encarregados de educação, ou seja, de todas as forças vivas da nossa sociedade. Preocupações como a competência profissional dos docentes, o estímulo e a motivação pela carreira docente, o processo de recrutamento de pessoal para o exercício da profissão, o desenvolvimento das infraestruturas universitárias, a confusão e proliferação de Instituições do Ensino Superior (IES) que não reúnem o mínimo de condições para funcionar, são todas de extrema importância.

A universidade tem três tarefas fundamentais para ser considerada como tal: o ensino, a investigação e a extensão. Isto significa que toda e qualquer universidade deve reger-se por esta tríade para ser considerada como tal. Verificamos com muita apreensão que na nossa sociedade há um grande número de IES que se denominam como universidades e que na maior parte dos casos não cumprem com o que acima mencionamos, ou seja, dentro da sua actividade não incorporam nem combinam o ensino com a investigação científica e muito menos com a extensão, factos que põem em dúvida a natureza destas instituições.

Defendemos a ideia de que a qualidade do ensino superior passa em primeiro lugar por acções de planeamento, organização interna das universidades e sobretudo por acções de avaliação quer sejam internas ou externas para a credibilização da formação que se ministra. Ora não sendo uma prática constante das universidades angolanas os processos de avaliação interna e externa, fazem com que não existam indicadores de referência comparáveis a universidades similares de outros países. Nesta perspectiva quando se fala de qualidade do ensino superior está-se a falar do tipo de quadros que são formados por estas universidades e da sua capacidade de se inserir no exigente, dinâmico e competitivo mundo do emprego.

A nomenclatura dos cursos é ainda restrita e em muitos casos desconhecida pelo patronato de um modo geral e os cursos existentes coincidem com os de algumas profissões integrantes do mercado de trabalho, e o diploma, na maioria dos casos, garante o exercício profissional e os privilégios caracterizados na regulamentação daquela profissão. Isso significa que, formalmente, os estudantes especializam-se precocemente, em detrimento da formação científica geral e das possíveis, futuras, adaptações ao dinâmico mundo do trabalho.

Verificamos ainda que a expansão do leque de ofertas é hoje bastante polémico: deu-se uma pulverização de disciplinas; os cursos desarticularam-se por não terem um órgão colegial responsável pela sua unidade e conjunto; o tempo médio de realização dos cursos pelos estudantes aumentou sensivelmente porque o tempo integral dos professores confunde-se com o tempo parcial, já que muitos professores vão à busca de mecanismos de sobrevivência exercendo e/ou desempenhando outras actvividades fora das suas universidades.

Outro assunto que defendemos é o de que todas as universidades devem ter programas de investigação científica e de formação pós-graduada para fazer face às necessidades cada vez mais exigentes do mercado. Verificamos com muito desagrado que são poucas as IES que se preocupam com a superação académica e científica dos seus professores e pessoal não docente, o que afecta a qualidade de ensino que se ministra, a transição de categoria e por conseguinte os índices motivacionais dos mesmos.

Constatamos também que existem instituições onde há Assistentes Estagiários há mais de cinco, seis ou sete anos no exercício da actividade docente. Os processos de admissão e de progressão na carreira são fortemente emperrados pela burocracia e políticas de quotas que não se coadunam com a dinâmica universitária.

Embora se tenha recuado em termos democráticos, temos hoje uma universidade com um maior percentual pertencente à classe média baixa. Essa característica da população estudantil que, entre outras coisas, encontra-se “despolitizada”, acha-se motivada por valores mais complexos e contraditórios, com identidade nova, com expectativas e padrões de comportamento bem diferentes das de vinte anos atrás; na universidade eles veem um “locus” para expressar a sua concepção de vida, criar cultura própria, abraçar ou rechaçar normas, alimentar ideologias e construir modelos de valorização.

O potencial político passou para os professores, elite hoje de uma comunidade académica em expansão. Deles depende a governabilidade das IES, a transmissão da cultura superior do país, a formação de segmentos profissionais e técnicos a cujo status aspira parte razoável da população.

Este vertiginoso processo de mutação, este salto qualitativo da sociedade angolana tem estado a impedir a universidade de desenvolver uma identidade sólida e socialmente legitimada, internacionalmente valorizada e assegurada, e este facto só pode realizar-se durante muitos anos de existência, não sendo justo, portanto, que se queira pôr no mesmo patamar instituições com trajectórias diferentes no que concerne ao tempo de existência, estabilidade e ao desenvolvimento.

Como pode a universidade estabilizar-se e desempenhar as suas funções dentro da sociedade? 

Como pode a universidade construir, em torno destes objectivos, uma tradição válida assente na legitimidade social? 

Como poderá a universidade ser o garante dessa tradição e fundamento de uma cultura institucional que lhe permita, ao mesmo tempo, conservar-se e mudar, ser ela mesma e diferenciar-se, permanecer e inovar-se? 

Tudo isso será possível com o concurso e a viabilização dos processos democráticos institucionais e do conhecimento que devem ser assegurados pelo departamento ministerial responsável pelo ensino superior, enquanto órgão regulador destas políticas e garante da qualidade do ensino que se pretende em Angola.

 

Amílcar Inácio Evaristo, Ph.D.

Biólogo e Psicólogo

Professor Associado da Universidade Agostinho Neto-ISCISA (Instituto Superior de Ciências da Saúde)

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Entendendo os Rankings de Universidades

 

Nota: Considerando a recente mensagem sobre o Estado da Nação, pronunciada pelo Presidente da República de Angola, João Lourenço, na qual se faz referência à meta de ter pelo menos duas universidades entre as 100 melhores de África, voltamos a divulgar este artigo de opinião que poderá ajudar o público em geral a compreender melhor como funcionam os rankings de universidades.

 

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Ultimamente, tem-se falado muito sobre a classificação (ranking) de universidades a nível mundial. Trata-se claramente de um tema bastante controverso, uma vez que há quem os ame, como também há quem os odeie!

A influência dos rankings é cada vez maior. Contudo, a maior parte das pessoas parece não saber qual a sua real utilidade, quem os compila e como são elaborados. Assim, este artigo pretende contribuir para o esclarecimento do processo de classificação, apresentar alguns resultados de 2016, assim como expressar a opinião do autor sobre os vários aspectos relacionados à classificação de universidades. 

Em primeiro lugar, salienta-se que os rankings apenas englobam uma pequena percentagem (< 2%) de todas as universidades do mundo. Há dados que são enviados pela universidade participante (ex. número de estudantes internacionais versus número de estudantes nacionais), porém, outros dados são obtidos em bases de dados independentes (ex. número artigos científicos publicados em revistas indexadas).

Os rankings de universidades têm sido importantes para estudantes, universidades (ex. gestores, professores, investigadores, etc.), governos e sociedade em geral. Resumidamente, os rankings permitem: monitorização de desempenho, realização de comparações, ajuda a estudantes a decidir em que universidade estudar, distribuição de financiamento por parte do governo, envio de bolseiros para as “melhores” universidades, influência na concepção de políticas/reformas do governo, incentivo à divulgação de dados académicos, influência na escolha de parceiros/colaboradores, influência na reputação (visibilidade e credibilidade) da instituição (marketing), identificação de pontos fortes e fracos, e atracção de melhores estudantes, professores e investigadores.

Os rankings são tipicamente elaborados anualmente. Isto deve-se ao facto de os dados relativos aos indicadores utilizados mudarem de ano para ano. Assim, é necessário consultar os rankings anualmente. Todavia, é pouco provável que, de um ano para o outro, uma universidade de topo altere o seu lugar significativamente em determinado ranking. Por outro lado, a reputação de uma universidade está de alguma forma ligada à sua idade. Geralmente, as universidades mais antigas têm maior reputação do que as novas. Contudo, há casos de universidades relativamente recentes a ocuparem boas posições nos rankings

Destaca-se ainda que é possível elaborar rankings organizados por área de conhecimento, por continente, por país, etc. É assim possível fazer comparações mais específicas. Por exemplo, no ranking geral uma universidade pode estar numa posição acima de uma outra, podendo estar, no entanto, bastante abaixo num ranking organizado numa dada área de conhecimento. Assim, dependendo do objectivo, é importante verificar não apenas o ranking geral, mas também os específicos.

Embora existam vários rankings de universidades, destacam-se os mais conceituados: 

1) Classificação Académica das Universidades Mundiais (Academic Ranking of World Universities - ARWU), também conhecido por “Ranking de Xangai” elaborado desde 2003 pela Universidade Jiao Tong de Xangai (China);

2) Classificação das Universidades Mundiais da Times Higher Education (Times Higher Education (THE) World University Ranking), elaborado desde 2004 pela revista THE (Reino Unido);

3) Classificação das Universidades Mundiais da QS (QS World University Ranking), elaborado desde 2004 pela empresa Quacquarelli Symonds (Reino Unido). 

Para classificar as universidades, a metodologia utilizada deve ser científica, estável e transparente, embora não haja uma metodologia perfeita.  Assim, uma vez que cada ranking utiliza os seus próprios indicadores, a comparação de resultados deve ser feita com bastante atenção. Julga-se que a verificação dos 3 referidos rankings resulta numa melhor estimativa da verdadeira classificação de uma dada universidade. Por outro lado, pensa-se que é crucial entender os indicadores utilizados em cada ranking.  

Assim, de forma a facilitar a compreensão, apresentam-se resumidamente os indicadores utilizados pelos 3 referidos rankings:

 

ARWU ranking (6 indicadores) 

1. Qualidade de educação: Número de antigos estudantes que ganharam o prémio nobel ou medalhas por área de conhecimento (10%)

2. Qualidade dos docentes/investigadores: Número de docentes/investigadores que ganharam o prémio nobel ou medalhas por área de conhecimento (20%)

3. Qualidade dos docentes/investigadores: Número de investigadores altamente citados em 21 áreas de conhecimento (20%)

4. Resultados da investigação: Número de artigos publicados em revistas sobre natureza e ciência (20%).  Nota: Este indicador não é considerado no caso das universidades especializadas em humanidades e ciências sociais, sendo o peso distribuído pelos outros indicadores.

5. Resultados da investigação: Número de artigos indexados na Science Citation Index - Expanded and Social Sciences Citation Index (20%)

6. Desempenho académico per capita da universidade (10%)

 

THE ranking (13 indicadores)

  • Ensino (30%) 

1) Reputação (inquérito) (15%)

2) Rácio docentes/investigadores versus estudantes (4.5%)

3) Rácio doutores versus licenciados (2.25%)

4) Rácio doutoramentos atribuídos versus docentes (6%)

5) Receitas da instituição (2.25%)

  • Investigação (30%)

6) Reputação (inquérito) (18%)

7) Receitas (investigação) (6%)

8) Produtividade (investigação). Número de artigos publicados em revistas científicas indexadas (6%)

  • Citações

9) Influência da investigação (30%)

  • Vertente Internacional (docentes, estudantes, investigação) (7.5%)

10) Rácio Estudantes internacionais versus nacionais (2.5%)

11) Rácio Docentes/Investigadores internacionais versus nacionais (2.5%)

12) Colaboração internacional (2.5%)

  • Receitas das Indústria

13) Transferência de conhecimento (2.5%)

 

QS ranking (6 indicadores) 

1. Reputação académica - questionário a académicos sobre as universidades (40%)

2. Reputação do ponto de vista do empregador - questionário aos empregadores sobre as universidades (10%)

3. Rácio número de estudantes versus número de docentes/investigadores (20%)

4. Citações por docente/investigador (20%)

5. Rácio número de docentes/investigadores internacionais versus nacionais (5%)

6. Rácio número de estudantes internacionais versus nacionais (5%)

  

Como se pode observar, cada ranking é elaborado de acordo com os seus próprios indicadores, sendo os mesmos bastante diferentes. Pode-se concluir que estes rankings assentam essencialmente em indicadores sobre ensino, investigação, empregabilidade, transferência de conhecimento e internacionalização. Salienta-se ainda que é necessário considerar a definição exacta de cada indicador.

Consultando os referidos rankings relativos ao ano de 2016, chega-se à conclusão que os Estados Unidos da América (EUA) lideram os primeiros 10 lugares (ARWU 8/10, THE 6/10, QS 5/10), seguindo-se o Reino Unido (UK) (ARWU 2/10, THE 3/10, QS 4/10). Constata-se ainda que as seguintes universidades (ordenadas pela média das posições nos 3 rankings), constam das primeiras 10 nos referidos rankings

  • Stanford University, EUA (ARWU-2, THE-3, QS-2) (2.3)
  • Harvard University, EUA (ARWU-1, THE-6, QS-3) (3.3)
  • Massachusetts Institute of Technology, EUA (ARWU-5, THE-5, QS-1) (3.7)
  • University of Cambridge, UK (ARWU-4, THE-4, QS-4) (4)
  • California Institute of Technology, EUA (ARWU-8, THE-1, QS-5) (4.7)
  • Oxford University, UK (ARWU-7, THE-2, QS-6) (5)
  • Princeton University, EUA (ARWU-6, THE-7, QS-11) (8)
  • University of Chicago, EUA (ARWU-10, THE-10, QS-10) (10)
  • Institute of Technology Zurich, SUÍÇA (ARWU-19, THE-9, QS-8) (12)
  • University College London, UK (ARWU-17, THE-14, QS-7) (12.7)
  • Imperial College London, UK (ARWU-22, THE-8, QS-9) (13)
  • University of California-Berkeley, EUA (ARWU-3, THE-13, QS-28) (14.7)
  • Columbia University, EUA (ARWU-9, THE-15, QS-20) (14.7)

 

Ou seja, estas universidades são, de acordo com os referidos rankings, as melhores do mundo em 2016. Para referência, apresentam-se a seguir as universidades melhor classificadas (2016) de África, da China, Portugal e do Brasil:

  • Tsinghua University, China (ARWU-58, THE-47, QS-24) (43)
  • Lomonosov Moscow State University (ARWU-87, THE-161, QS-108) (118.7)
  • Universidade de São Paulo, Brasil (ARWU-101:150, THE-201-250, QS-120) (140.7 ?)
  • University of Cape Town, SA (ARWU-201:300, THE-120, QS-191) (170.7 ?)
  • Universidade de Lisboa, Portugal (ARWU-151:200, THE-501:600, QS-330) (327.3 ?)

 

Por outro lado, as universidades africanas que constam em 2016 nos referidos rankings são as seguintes:

  • University of Cape Town, SA (ARWU-201:300, THE-120, QS-191) (170.7 ?)
  • University of the Witwatersrand, SA (ARWU-201:300, THE-201:250, QS-359) (253.7 ?)
  • The American University in Cairo, Egipto (ARWU-, THE-, QS-365) (365)
  • Stellenbosch University, SA (ARWU-401:500, THE-301:350, QS-395) (365.7 ?)
  • University of Kwazulu Natal, SA (ARWU-401:500, THE-401:500, QS-651:700) (484.3 ?)
  • University of Pretoria, SA (ARWU-, THE-501:600, QS-551-600) (526 ?)
  • Makerere University, Uganda (ARWU-, THE-401:500, QS-701+) ( 551?)
  • Cairo University, Egipto (ARWU-401:500, THE-601:800, QS-551:600) (576 ?)
  • Rhodes University, SA (ARWU-, THE-, QS-551:600) (551:600)
  • University of Johannesburg, SA (ARWU-, THE-, QS-601:650) (601:650)
  • University of Ghana, Gana (ARWU-, THE-601:800, QS-701+) ( 651?)
  • Alexandria University, Egipto (ARWU-, THE-601:800, QS-701+) (651 ?)
  • University of Marrakech Cadi Ayyad, Marrocos (ARWU-, THE-601:800, QS-) (601:800)
  • Suez Canal University, Egipto (ARWU-, THE-601:800, QS-) (601:800)
  • University of South Africa, SA (ARWU-, THE-601:800, QS-) (601:800)
  • Al Azhar University, Egipto (ARWU-, THE-, QS-701+) (701+)
  • Ain Shams University, Egipto (ARWU-, THE-, QS-701+) (701+)
  • North-West University, SA (ARWU-, THE-, QS-701+) (701+)
  • University of Western Cape, SA (ARWU-, THE-, QS-701+) (701+)

 

Analisando estes dados, claramente se observa o domínio da África do Sul e do Egipto no contexto africano. Ou seja, das 19 universidades africanas que constam nos referidos rankings de 2016, 10 são sul africanas e 6 são egípcias. Conclui-se ainda que a Universidade de Cape Town foi a melhor classificada em 2016.

Como se pode ainda observar nenhuma universidade angolana consta dos referidos rankings. Considerando os indicadores utilizados, o leitor estará em melhores condições para poder tirar as suas próprias conclusões. Contudo, julga-se que ainda há vários aspectos a melhorar antes que alguma universidade angolana possa constar nos referidos rankings.

Finalmente, podemos concluir que os rankings dependem dos indicadores utilizados e dos pesos a eles atribuídos. Adicionalmente, a estimativa da qualidade de ensino continua a ser a principal limitação dos rankings actuais. Julga-se ainda que os rankings devem ser vistos como estimativas limitadas da qualidade das universidades analisadas. Assim, cabe ao leitor decidir se deve ou não confiar em determinado ranking.  

 

Mais informação

http://www.shanghairanking.com/

http://www.topuniversities.com/

https://www.timeshighereducation.com/

http://www.eua.be/Libraries/publications-homepage-list/Global_University_Rankings_and_Their_Impact.pdf?sfvrsn=4

 

11/12/2016

 

Ricardo Queirós

Doutorado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores

Investigador na área de Instrumentação e Medidas

Faculdade de Engenharia - Universidade Agostinho Neto

E- Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

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