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Livro: Património Cultural - Conceitos e Critérios Fundamentais

A obra “Património Cultural: Conceitos e Critérios Fundamentais”, é o mais recente trabalho de Maria Helena Barranha, Arquitecta e Professora do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e da Faculdade de Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Portugal. 

Com esta publicação, tal como o tema sugere, a autora procura, por um lado, discutir os principais conceitos para qualquer abordagem teórica ou prática ao património cultural, em particular o património arquitectónico. Por outro lado, apresentar valores fundamentais implicados nos projectos de protecção de bens culturais imóveis, bem como estratégias e critérios de intervenção para a conservação, a manutenção, o restauro ou a reabilitação desses bens.

A obra encontra-se disponível gratuitamente. Para baixar clique aqui.

 

Mais informação

http://istpress.tecnico.ulisboa.pt/node/428

 

Entrevista: Prof. Mário Fresta. "O Estatuto Remuneratório, as condições de trabalho e as condições sociais dos investigadores são insuficientes..."


Prof. Mário Fresta (linha vermelha) no último Curso de Introdução à Metodologia de Investigação oferecido pelo CEDUMED na Clínica Multiperfil em 2016

 

Dados Pessoais:

Nome: Mário Fresta

Natural de: Lisboa; Nacionalidade Angolana

Formação: Licenciatura em Medicina e Especialização em Medicina Humana, Curso de Mestrado em Medicina Desportiva, Curso de Mestrado em Higher Education Studies: Policy Analisys, Leadership and Management, Doutoramento em Medicina (Fisiologia); vários cursos de curta duração sobre Metodologia da Investigação, Pedagogia e Didáctica, Gestão de Recursos Humanos, Administração e Gestão Universitária, Gestão de Recursos Humanos, Gestão da Formação, E-learning, Concepção e Gestão de Projectos, Implementação e Avaliação de Projectos.

Cargos que ocupou anteriormente: Chefe do Departamento de Ciências Fisiológicas da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto (FMUAN), Responsável da Fisiologia no Curso de Medicina no Huambo, Vice-Reitor para Assuntos Científicos da Universidade Agostinho Neto (UAN), Reitor em Exercício da UAN, Presidente da Assembleia da UAN, Vice-Presidente da Associação das Universidades de Língua (AULP); desde 2003 Director do Centro de Estudos Avançados em Educação e Formação Médica (CEDUMED). 

 

1. Ciencia.ao: Como é que a ciência, tecnologia e inovação (CTI) podem contribuir para a diversificação da nossa economia e consequente desenvolvimento do país? 

Prof. Mário Fresta: Praticamente todo o crescimento económico e desenvolvimento humano podem beneficiar do saber associado à investigação cientifica, à inovação e à criação ou adequação da tecnologia. 

Angola já teve uma economia diversificada e, passado cerca de meio século, a CTI deve contribuir para reavaliar criticamente o passado e o presente para, de forma criativa, redefinir e desenvolver a estratégia, modelo, clusters e projectos mais adequados para diversificar a economia no actual (e futuro) contexto nacional e mundial. 

O País deve passar (também em matéria de CTI) de importador e consumidor, para produtor e criador (e, lá onde houver excelência e condições de competitividade, também exportador). Só tornando-nos verdadeiramente actores e autores do nosso próprio desenvolvimento, incluindo em matéria de CTI, será possível garantir ao País crescimento, progresso, sustentabilidade, soberania e segurança.  

  

2. Ciencia.ao: Sente-se, enquanto Director, satisfeito com a visibilidade da CTI realizada em Angola? Se não, o que julga ser necessário fazer?

Prof. Mário Fresta: A CTI realizada em Angola tem sido, de forma geral, escassa e fortuita, de qualidade variável, de discutível relevância e impacto socioeconómico. Mesmo lá onde existem políticas públicas bem definidas, faltam os mecanismos de implementação eficazes, a boa gestão dos programas e projectos e o financiamento, digamos o financiamento possível, ainda que parcial. Quando a maior parte ou a totalidade do financiamento vem (aparentemente) do exterior, a CTI vai obedecer às políticas de origem desses mesmos fundos. 

Resumidamente, é necessário (i) identificar os principais problemas nacionais potencialmente resolúveis pela CTI e seleccionar os prioritários; (ii) estabelecer a capacidade (existente ou mobilizável) de financiamento e alocá-la aos programas e projectos científicos aprovados; (iii) abrir concurso público, através dos respectivos editais, para os mesmos; (iv) contratar as instituições que mais garantias derem de cumprir com os termos de referência e alcançar os resultados definidos; (v) e fazer o necessário acompanhamento, monitorização e avaliação, faseada e final.

Quando a instituição líder for externa é recomendável, sempre que possível, associar um parceiro nacional para reforçar progressivamente a capacidade local. Inversamente, um projecto liderado por uma instituição nacional pode fortalecer a sua intervenção com uma parceria externa de excelência. O funcionamento em consórcio e dentro de redes potencia muito as instituições. Por outro lado, é fundamental a expansão e qualificação do ensino superior, nomeadamente em termos de pós-graduação académica, porque não há investigação sem investigadores. 

Em termos de visibilidade, as feiras e os prémios de carácter científico-tecnológico são muito importantes para a divulgação, promoção e “social accountability”, junto do mercado e da sociedade. Neste âmbito queremos destacar o “Prémio CEDUMED de Educação Médica” cuja primeira edição é em 2017.

 

3. Ciencia.ao: Qual a sua opinião sobre a actual produção científica dos angolanos? O que se pode fazer para melhorar?

Prof. Mário Fresta: Temos observado que os angolanos ligados à CTI têm uma produção elevada e qualificada quando estão no exterior (por exemplo em pós-graduação ou aqueles que emigraram), enquanto a mesma se torna habitualmente reduzida e muito menos significativa quando trabalham no País. Esta disparidade resulta de que a investigação depende dos grupos e das instituições onde se trabalha, assim como da envolvente em termos de política, cultura e recursos.

Para esclarecer melhor estas questões sem nos alongarmos desnecessariamente, recomendamos o artigo sobre a situação nas ciências de saúde "Sambo, MR and Ferreira AVL. Current status on health sciences research productivity pertaining to Angola up to 2014. Health Research Policy and Systems 13.1 (2015): 32".

 

4. Ciencia.ao: Como acha que está o país em termos de documentos reitores da CTI? E quanto à sua aplicação? 

Prof. Mário Fresta: Temos documentos reitores suficientemente abrangentes e profundos desde a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e a consequente Estratégia, passando pelos Regulamentos das Instituições de Investigação Científica e Desenvolvimento e dos Conselhos Científicos, até uma série de directivas e instrutivos em consonância com as recomendações da UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) nessas matérias.

Já quanto à documentação da CTI específica de cada área socioeconómica, a situação parece-nos ser algo heterogénea, quando todas deveriam ter políticas sectoriais alinhadas com os diplomas gerais anteriormente referidos. 

Infelizmente, esse edifício legislativo e regulamentar, tão criteriosa e laboriosamente construído, tem sido pouco consequente por falta de mecanismos eficazes de implementação, incluindo o ainda inexistente financiamento (apesar das expectativas criadas - e até agora frustradas - pelo FUNDECIT e pelo PLANCTI 2014/15). Por outro lado, o financiamento da actividade científica deve ser feito através de rúbricas específicas para esse efeito e obedecer a uma contabilidade diferenciada. 

 

5. Ciencia.ao: Julga que a actual carreira de investigador científico satisfaz as necessidades do país nesse domínio? Pensa que esta é atractiva? Se não, como se pode atingir esse fim?

Prof. Mário Fresta: Fazemos um paralelo entre a Carreira do Investigador e a Carreira Docente Universitária: constituem uma base razoável, mas devem ser actualizadas e enriquecidas. Uma questão diferente mas complementar é a do Estatuto Remuneratório, das condições de trabalho e das condições sociais dos investigadores que são insuficientes, apesar do considerável progresso feito a partir de 1997.

 

6. Ciencia.ao: O que pensa do actual estado de recursos humanos em CTI no país? O que se pode fazer para melhorar?

Prof. Mário Fresta: Os recursos humanos são ainda escassos, não só em termos de investigadores como de técnicos e gestores da investigação, o que deve encontrar solução no quadro do Plano Nacional de Formação de Quadros (PNFQ) cujo lema é “Formar com Qualidade, Formar para a Realidade”. 

 

7. Ciencia.ao: Qual a sua visão sobre o estado actual do financiamento da CTI em Angola? O que pode ser feito para melhorar?

Prof. Mário Fresta: A questão do financiamento da CTI já foi abordada a propósito das questões anteriores. Numa palavra, há que passar da visão para a acção.

 

8. Ciencia.ao: Julga que existem instrumentos suficientes (por exemplo revistas científicas nacionais, conferências nacionais, etc.) para que os investigadores possam publicar os seus trabalhos? Se não, o que se pode fazer para melhorar?

Prof. Mário Fresta: Em nossa opinião, mais do que investigação nacional à procura de publicação, há revistas nacionais à míngua de publicações, para além de que também podemos publicar nas revistas externas (indexadas e com factor de impacto). O que se passa é que antes de publicar é preciso investigar com qualidade e, despois disso, submeter um artigo para publicação exige muito tempo, condições e esforço que nem sempre estão disponíveis. 

 

9. Ciencia.ao: O que pensa da avaliação às instituições de investigação científica, desenvolvimento tecnológico e inovação, e aos respectivos investigadores?

Prof. Mário Fresta: É um processo que felizmente já começou, liderado pelo respectivo sector, e vai-se consolidando progressivamente. Já sabemos que os indicadores vão traduzir uma realidade pouco favorável, mas é a partir dela que temos de ir melhorando. Esse esforço sustentado e rigoroso é que permitirá inscrever o País e as suas Instituições nos directórios mundiais e ir progressivamente melhorando os nossos ratings e rankings.

 

10. Ciencia.ao: Quais as linhas de investigação do CEDUMED?

Prof. Mário Fresta: As linhas de investigação do CEDUMED são:

(i) O Perfil do Médico 

Que competências deve ter o médico em Angola, à luz das recomendações mundiais (WHO, WMA, WFME e outros) e do contexto local? Que competências efectivamente tem? Qual o gap de competências e como diminuí-lo? Como desenvolver as competências desejáveis (por exemplo incorporando aprendizagem e-learning e simulação realística)? Como melhor avaliar as competências (OSCE e outros)? Etc.

(ii) O Sucesso Académico

Partindo de que a aprendizagem médica tem um elevado grau de insucesso, tanto mundialmente como no nosso meio (por exemplo, quando definimos a baseline em 2005, o médico demorava a formar em média o dobro do tempo previsto…), pergunta-se: O que causa tanto insucesso (os estudantes, os professores, as condições de aprendizagem, a envolvente social, Etc.)? Como podemos alcançar os objectivos educacionais no tempo previsto? Como aumentar a eficiência da aprendizagem? Como reduzir as desistências, diminuir as reprovações e aumentar o aproveitamento? Em síntese, como formar no tempo previsto, com o custo justo, o médico que o País precisa?   

Quando há condições favoráveis, podemos investigar em linhas subsidiárias, habitualmente inseridos em grupos internacionais.

Para exemplificar, a nossa última publicação é: “Loureiro E, Ferreira MA, Fresta M, Ismail M, Rehmand SU, Broome E (2017). Teaching and assessment of clinical communication skills: Lessons learned from a SWOT analysis of Portuguese, Angolan and Mozambican Medical Education. Porto Biomedical Journal 49:1-12 (http://www.portobiomedicaljournal.com/)”.    

  

11. Ciencia.ao: Quais os principais projectos de investigação científica que o CEDUMED já realizou, estão em curso ou planeia realizar?

Prof. Mário Fresta: Os projectos de investigação do CEDUMED inserem-se na sua missão, competências e atribuições, em conformidade com o actual Estatuto (publicado no Diário da República Nº 206, I Série de 26 de Outubro de 2012). Para não sermos fastidiosos, remetemos os interessados para o artigo “Educação Médica em Angola: Contributo do CEDUMED 2003-2015. Magazine Risco Zero N.º 3, Julho-Outubro de 2015; 28-35”. http://www.riscozero.info/revistas/rz3/files/assets/basic-html/page28.html.

Como Centro de Investigação inserido numa Instituição de Ensino Superior, a missão primária do CEDUMED é desenvolver formação avançada (e contínua) para que aumente a massa crítica de investigadores e as suas competências. É principalmente através dos nossos Mestrados e Doutoramentos que surgem as dissertações e teses, bem como as consequentes publicações em revistas da especialidade, que constituem os projectos e resultados científicos da nossa actividade. No entanto, também nos engajamos em projectos de investigação fora desse quadro, por vezes por orientação ou encomenda. Queríamos ainda referir os trabalhos de licenciatura que orientamos, os quais funcionam como uma iniciação à investigação e, nalguns casos, originam pesquisas muito qualificadas que chegam a ser premiadas e/ou publicadas.

O Mestrado em Educação Médica, com duas edições concluídas, formou cerca de 40 Mestres (com as respectivas Dissertações e alguns artigos publicados) e aguarda recursos para oferecer a terceira edição. Neste momento, o principal desafio é iniciar a oferta do Doutoramento em Ciências Biomédicas recentemente publicado (Diário da República N.º 9, I Série, de 18 de Janeiro de 2017).  

 

12. Ciencia.ao: Que avaliação faz da investigação científica no seu ramo? 

Prof. Mário Fresta: Há muita e excelente investigação sobre educação médica a nível mundial, mas relativamente pouca no nosso país onde seria bom promover estudos multicêntricos (envolvendo os diversos cursos de medicina, mas também a educação médica pós-graduada e contínua) e, sobretudo, aproveitar as lições para melhorar as políticas e as práticas. 

  

13. Ciencia.ao: Tem apresentado à sociedade os resultados das suas investigações? Se sim, como?

Prof. Mário Fresta: Os resultados das nossas investigações têm sido apresentados principalmente nos circuitos académicos (em diversos pontos do País e também no exterior), mas também em encontros e espaços mais alargados. Como apresentação à sociedade, estamos envolvidos na “feira” que a Universidade Agostinho Neto está a preparar para o final de 2017.

 

14. Ciencia.ao: Na sua óptica, como deve ser a relação entre as Instituições de Investigação Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação e as Instituições de Ensino Superior? Verifica-se esta prática actualmente?

Prof. Mário Fresta: Há que distinguir as Instituições de IDI que fazem parte de IES, daquelas que estão fora desse quadro, porque o relacionamento coloca-se de maneira diferente. Duma forma geral, a relação entre as instituições reflecte a relação entre os Departamentos Ministeriais que as tutelam. O relacionamento interinstitucional deve ser flexível e produtivo, na base de consórcios, programas, projectos conjuntos, integração em redes, etc. Por exemplo, a nível mundial (e entre nós de forma incipiente) verificamos que os programas de pós-graduação das IES também servem para desenvolver projectos prioritários da CTI e, inversamente, várias IDI acolhem o trabalho laboratorial de estudantes de pós-graduação (frequentemente de doutoramento).

 

15. Ciencia.ao: Em termos de cooperação científica, como avalia o estado do país, e da sua Instituição em particular?

Prof. Mário Fresta: No que concerne ao CEDUMED, temos três acordos formais, nomeadamente com a Faculdade de Medicina do Porto (FMUP), com o Instituto de Higiene e Medicina Tropical de Lisboa (IHMT) e com a CLÍNICA MUTIPERFIL em Luanda que têm sido frutuosos e, aliás, se complementam mutuamente. Para além desse quadro permanente, desenvolvemos outras colaborações conforme os desafios e oportunidades, por exemplo há alguns anos associámo-nos à Universidade Federal de Ciências de Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) para formações à distância (MOODLE e BVS) e, no ano passado, uma parceria com o Programa Tropical Diseases Research (TDR) da Organização Mundial de Saúde (WHO) permitiu inscrever profissionais de saúde Angolanos em três workshops internacionais para desenvolvimento das competências de investigação. Muito do trabalho que fazemos resulta da cooperação que desenvolvemos.

 

16. Ciencia.ao: Que importância atribui ao Conselho Nacional de CTI e ao Conselho Superior de CTI?

Prof. Mário Fresta: A importância está patente nos estatutos desses órgãos. No entanto, uma avaliação mais completa sobre o impacto do seu funcionamento competiria à respectiva Tutela.

 

17. Ciencia.ao: Que conselhos poderá dar aos jovens investigadores?

Prof. Mário Fresta: Infelizmente não há tantos jovens investigadores… Quanto a dar conselhos, preferimos criar condições para integrar os jovens na investigação e incentivá-los. Cremos que a prática e o exemplo são melhores mestres do que as palavras.

 

18. Ciencia.ao: Algo mais que gostaria de acrescentar ou recomendar?

Prof. Mário Fresta: Tanto a investigação como a educação proporcionam conhecimento, mas têm custos. No entanto, “Se você acha que educação é cara, experimente a ignorância” (Derek Bok).

 

 

Dados sobre o CEDUMED

O CEDUMED é o Centro de Investigação e Pós-Graduação em Educação Médica da Universidade Agostinho Neto, criado em 2003, vocacionado para a Formação Pós-Graduada e Formação Permanente dos médicos e outros profissionais de saúde e para a investigação científica em educação médica (básica, pós-graduada e contínua), regendo-se actualmente pelo Estatuto Orgânico publicado no Diário da República Nº 206, I Série de 26 de Outubro de 2012.

Telefone: (00244) 923 636 805

E-mail: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. 

 

A Evolução da Inteligência Humana

Um dos mais fascinantes temas da ciência diz respeito a como surgiu a inteligência humana ao longo da evolução dos grandes primatas aos hominídeos, chegando até o ser humano moderno. A inteligência é um tema fascinante justamente porque nos dá a chave para o tesouro do entendimento sobre nós mesmos, e de como a selecção natural foi capaz de produzir tamanha maravilha como o cérebro humano e suas assombrosas capacidades num tempo evolucionário tão curto. Também fornece uma explanação sobre a natureza da nossa singularidade no reino animal e porque nós somos assim hoje.

De facto, muitas facetas da evolução da inteligência humana são ainda matéria de considerável mistério, porque ela não pode ser observada directamente no registo paleontológico, tal como ocorre com um osso ou os dentes, por exemplo. A evidência reunida por cientistas sobre a inteligência é obtida indiretamente, a partir da observação do aumento do tamanho da capacidade craniana, de artefactos produzidos como resultado da inteligência humana, tais como a fabricação de ferramentas, a caça cooperativa, a guerra, o uso do fogo e o cozimento de alimentos, a arte, o enterro dos mortos, e poucas outras coisas mais.

O aparecimento da inteligência, juntamente com a linguagem (e ambas são indissoluvelmente entrelaçadas, como veremos adiante), foi um passo espectacular da evolução animal. Ela apareceu em primatas, mas poderia ter sido desenvolvida igualmente bem em outros mamíferos avançados, tais como golfinhos. Por que ela se desenvolveu em primatas e não em outros gêneros animais? Provavelmente pela inerente instabilidade de ambientes terrestres, quando comparados com os ambientes aquáticos, e quase certamente devido a uma série de mudanças dramáticas no clima africano em certos pontos da história geológica. Portanto, os fenómenos probabilistícos podem ser muito bem a explicação porque estamos agora na posição de sermos os mais inteligentes de todos os animais da Terra.

Este passo evolucionário foi espectacular porque deu origem a um círculo cada vez mais rápido de retroalimentação positiva entre a evolução cultural (trazida pela linguagem) e o desenvolvimento posterior do cérebro, ao aumentar enormemente o sucesso reprodutivo e as chances de sobrevivência do organismo assim armados com um cérebro capaz de alta flexibilidade, adaptabilidade e capacidade de aprendizagem. Num período de um a dois milhões de anos (praticamente um piscar de olhos em termos de tempo geológico), este poderoso impulso de evolução neural levou ao que somos hoje e ao que o homem foi nos últimos 100.000 anos.

Estaria a inteligência presente apenas nos seres humanos? É claro que não. A inteligência humanas parece ser composta de um número de funções neurais correlacionadas e que operam cooperativamente, muitas das quais já estão presentes em outros primatas, tais como a desteridade manual, visão colorida estereoscópica altamente sofisticada e acurada, reconhecimento e uso de símbolos complexos, coisas abstratas que representam outras) memória de longo prazo, etc. De facto, a visão científica actual é de que existem vários graus de complexidade de inteligência presente em mamíferos e que nós compartilhamos com eles muitas características que anteriormente pensávamos que eram únicas ao homem (tais como linguagem simbólica, como já foi provado que ocorre em primatas).

Os cientistas têm levantado hipóteses sobre a existência de uma "massa crítica" de neurónios como sendo o pré-requisito para a "explosão" evolucionária da inteligência. Em outras palavras, abaixo de um certo número de neurónios (ou tamanho do cérebro), a inteligência é altamente limitada e não leva à invenção, imaginação, comunicação social simbólica e outras coisas que não existem em cérebros não-humanos. Um número grande de factores evolucionários convergentes determinaram um rápido aumento no tamanho e complexidade do cérebro dos hominídeos e estes levaram à primeira espécie verdadeiramente Homo. A massa crítica foi atingida e após isso foi apenas uma questão de evolução quantitativa.

Mas o que é inteligência? Antes de embarcarmos numa viagem rumo ao entendimento de sua evolução, devemos tentar conhecer melhor o objecto da nossa questão.

Parece que existem tantas definições de inteligência quanto existem cientistas a trabalhar no campo. De acordo com a Enciclopédia Britânica (EB), "é a habilidade de se adaptar efectivamente ao ambiente, seja fazendo uma mudança em nós mesmos ou mudando o ambiente ou buscando um novo ambiente". Esta é uma definição inteligente, porque ela incorpora os conceitos de aprendizagem (uma mudança em nós mesmos), manufactura e abrigo (mudança do ambiente) e migração (encontrando um novo ambiente). A inteligência é uma entidade multifactorial, envolvendo coisas tais como linguagem, pensamento, memória, raciocínio, consciência (a percepção de si mesmo), capacidade para aprendizagem e integração de várias modalidades sensoriais. De modo a nos adaptarmos efectivamente, o cérebro deve usar todas estas funções. Portanto, "inteligência não é um processo mental único, mas sim uma combinação de muitos processos mentais dirigidos à adaptação efectiva do ambiente", prossegue a definição da EB.

Reconhecer quais são os componentes da inteligência é muito importante em termos de montar uma "teoria da inteligência". Uma das teorias mais sólidas e interessantes foi proposta por Sternberg (veja a seguir as componentes da inteligência) e relaciona-se directamente ao que nós sabemos sobre a evolução. Ele propõe que a inteligência é feita de três aspectos integrados e interdependentes: no mundo interno, as relações com o mundo externo, as experiências que  relacionam ao mundo externo e o interno.

 

As Componentes da Inteligência

O mundo interno: cognição

  1. processos para decidir o que fazer e o quão bem foi feito
  2. processos para fazer o que foi decidido ser feito
  3. processos para aprender como fazer

O mundo externo: percepção e acção

  1. adaptação a ambientes existentes
  2. modelação de ambientes existentes em novos
  3. a selecção de novos ambientes quando os antigos se provam insatisfatórios

A integração dos ambientes internos e externos através da experiência

  1. a habilidade de se adaptar às novas situações
  2. processos para criar objetivos e para planeamento
  3. mudança dos processos cognitivos pela experiência externa

Um dos melhores exemplos que demonstram os três aspectos da inteligência é a caça cooperativa nos hominídeos. O mundo externo é caracterizado por um extenso terreno tridimensional onde existem animais muito rápidos, muito grandes ou muito perigosos como presas em potencial. Aprender como emboscar a presa, como aproximar-se dela e como matá-la com um machado de pedra são habilidades cognitivas. Ser capaz de caçar em vários ambientes, mover-se para outras áreas quando a caça se torna escassa, ou fabricar armas de caça, armadilhas para animais, etc, são exemplos de processos relacionados aos mundos interno e externo.

Finalmente, ser capaz de se comunicar e coordenar a caça com outros seres humanos, delinear uma estratégia para caçar mais efectivamente, e desenvolver e sustentar todo o processo de caça por meio da cognição, percepção e acção, são exemplos da integração entre os mundos interno e externo.

Quanto da inteligência humana, pensamento, raciocínio, imaginação e planeamento são devidos à linguagem? Praticamente tudo,  poderíamos dizer. De facto, esses processos são uma espécie de "processamento interno da linguagem", como já foi afirmado. Um dos mais importantes especialistas em evolução humana, Ian Tattersall, da Inglaterra, propôs que o sucesso da humanidade foi largamente o resultado da linguagem, com toda a sua riqueza de sintaxe e semântica. A linguagem, portanto, é fundamental para a nossa capacidade de pensar, e o intelecto humano e as conquistas que explicamos neste artigo seriam impossíveis sem a linguagem. Para Tattersall, a linguagem é "mais ou menos sinónimo do pensamento simbólico" e isto faz toda a diferença.

Neste contexto, aparece uma das mais importantes propriedades da mente humana que é a consciência, ou auto-percepção. Nós não temos muitas evidências se elas existem em outros animais, e quando ou onde elas aparecem em humanos pela primeira vez. Será a auto-consciência um produto da evolução? Será que ela é vantajosa para a adaptação e sobrevivência? A resposta é sim. A auto-consciência permite-nos construir a realidade além de meras sensações físicas, como imaginar uma situação e as consequências das nossas acções, antes que qualquer coisa aconteça. 

 

Renato M.E. Sabbatini

Doutorado em Neurofisiologia

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil

Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Brasil

 

Artigo original publicado na Revista online Cérebro e Mente
http://www.cerebromente.org.br/n12/mente/evolution/evolution.htm
Nota: Texto convertido para a ortografia praticada em Angola (pré-acordo ortográfico da língua portuguesa).
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