Vivemos e nos movemos hoje na plenitude da era da informação. A sobrevivência humana tem exigido máxima actualização da informação. A velocidade do acúmulo do conhecimento aumenta de forma vertiginosa em quase todas as actividades humanas. Com a Internet, a gigantesca rede de computadores do planeta, houve uma aceleração ainda maior na curva do conhecimento.
Na área médica e científica, a Internet tem figurado como um ambiente essencial, não somente para difusão da informação, mas também para a cooperação entre instituições. Ela tem permitido ao profissional desta área, pensar e agir a nível global, e gerar com maior eficiência e rapidez, produtos de valor para a comunidade.
O exemplo mais elementar desse fenómeno ocorre no campo da difusão da informação. Médicos, biólogos e cientistas, na qualidade de executores e produtores de informações, têm contribuído para a educação de pacientes e estudantes nas neurociências básicas e clínicas. Exemplos disso são os livros e revistas online (como, por exemplo, o Journal of Neuroscience, para trabalhos de investigação, e a própria revista Cérebro & Mente, para divulgação científica), e as chamadas "comunidades virtuais de ensino" como o Hospital Virtual americano (e seu correspondente brasileiro, o HVB), as quais contém grande volume de informação científica disponíveis gratuitamente para todos os interessados. Imensos e bem organizados bancos de imagens, como o The Whole Brain Atlas, e de neuropatologia, como o WebPath, dão acesso a um mundo inimaginável de informação visual, a qual seria impossível antes da existência da Internet. Existem inclusive "cursos virtuais" completos em neurociências, como o Neurosciences Tutorial da Universidade de Washingthon em Saint Louis, no qual os estudantes podem realizá-lo inteiramente através da Internet.
Como orientar-se neste universo crescente de informação através da rede? Felizmente, para isso existem catálogos especializados e até mecanismos de busca por palavras-chave, como o Neurosciences on the Internet e o Neurosciences Web Search.
No campo de investigação, investigadores têm desenvolvido trabalhos cooperativos nacionais e internacionais, sem saírem de seus países e mesmo de suas salas e laboratórios. Investigação de ponta, como o Programa Genoma Humano, tem sido desenvolvida por grupos internacionais, cada um em seu país. Com isso, os custos e a rapidez da elaboração de investigação científica são tremendamente beneficiados. Em neurociências, um bom exemplo é o banco de dados sobre o Cenorrhabdtis elegans. Este é um pequeno nemátodo subterrâneo, com apenas 1 mm de comprimento, mas que se tornou um dos principais modelos do estudo científico cooperativo da genética do desenvolvimento e do estudo da neurobiologia, devido à sua simplicidade estrutural. A sua comunidade de investigação actualmente tem cerca de 1.000 investigadores, que interagem através da Internet, no grupo de notícias bionet.celegans, em listas de discussão, no acesso à base de dados ACeDB (A C. elegans Data Base), que contém todo o genoma do animal, bem como uma descrição completa, anatómica e funcional, de cada um dos seus 360 neurónios; e através de um servidor da WWW especialmente dedicado a este organismo, mantido pela Universidade do Texas.
Outro exemplo do tremendo impacto e significância da Internet em investigação e desenvolvimento ocorre nas áreas de neurobiologia molecular e neurogenética. Actualmente todas as sequências de genes são submetidas e consultadas através de gigantescos bancos de dados disponíveis na Internet no National Center for Biotechnology Information. Se apenas um deles, o GenBank, fosse distribuído em CD-ROM, ocuparia cerca de 40 discos, o que tornaria impraticável o seu uso fora da rede. Um neurobiologista molecular que não tenha acesso à Internet, portanto, não consegue mais trabalhar neste campo. Uma tendência similar pode ser observada em muitos outros campos das neurociências.
Um conceito fascinante permitido pela Internet é o chamado trabalho cooperativo através da rede. Por exemplo, na redacção das publicações de investigação científica, todos os membros de um grupo de investigadores podem dar sua contribuição ainda que cada um esteja localizado em diferentes pontos do planeta. Eles podem escrever simultaneamente um mesmo trabalho, praticamente com a mesma velocidade e eficiência como se estivessem lado a lado, utilizando um tipo de software chamado groupware, como o Lotus Notes ou o Microsoft NetMeeting. Este software permite que cada palavra ou frase apareça com uma cor diferente, conforme quem a escreveu. Imagens podem ser inseridas e o texto editado por várias pessoas ao mesmo tempo, através da Internet.
Existem ainda aplicações mais avançadas. As redes neurais artificiais são um modelo aplicado de sistema de apoio à decisão, que utilizam os conceitos de organização funcional do sistema nervoso. Actualmente elas estão a ser usadas para ajudar os neurocientistas em seus trabalhos, fechando um círculo interessante: as neurociências fornecem resultados para que os engenheiros produzam redes neurais artificiais cada vez mais poderosas, e estas, por sua vez, ajudam os neurocientistas a processar sinais e imagens biológicas, detectar padrões, e até elaborar decisões na área clínica. O Núcleo de Informática Biomédica da Unicamp desenvolveu uma rede neural de apoio à decisão em neurocirurgia que funciona através da Internet. O usuário fornece os dados do paciente com trauma craniencefálico e a rede neural responde ao prognóstico e auxílio sobre decisão de se fazer ou não a cirurgia (http://www.ldc.com.br/mlucia).
No futuro, possivelmente até mesmo congressos e simpósios de neurociências serão realizados através da Internet. No Virtual World Congress, da American Association of Chest Physicians, está activo para dezenas de palestrantes convidados, mesas redondas, narração de posters e show de slides. Para participar, você não precisa nem mesmo se preocupar em conseguir passagens aéreas e quartos de hotel. Onde é a conferência? Pode ser em qualquer lugar, isto não é relevante...
Enquanto esse dia não chega por completo, a organização de grandes congressos, como o famoso Neuroscience Meeting, realizado pela Society for Neuroscience, e que reúne mais de 25.000 cientistas e estudantes todo ano, depende de forma essencial da Internet. Todos os seus detalhes, desde a inscrição no congresso, até a lista e reserva dos hotéis e o resultado da aceitação de papers, ficam disponíveis interactivamente através da Internet, facilitando a participação de todos.
Desta forma, fica evidente que o universo do saber está a passar por um processo de transformação em seus paradigmas. Um efeito interessante deste processo já começa a ser notado: o próprio comportamento das pessoas também está a ser modificado por esta "sociedade virtual" estabelecida há tão poucos anos pelo advento da Internet.
Estudiosos têm realizado pesquisas sobre esse comportamento, notando as diferenças que existem em relação a outros comportamentos de comunicação e interacção social. Já existem até mesmo alguns periódicos internacionais dedicados ao tema, como o CyberPsychology & Behavior, e o The Journal of Online Behavior. Este último descreve seus objectivos como sendo "o estudo empírico do comportamento humano no ambiente on-line, e qual é o impacto da evolução das tecnologias de informação e comunicação sobre os indivíduos, grupos, organizações e a sociedade".
Podemos concluir que, para todos os propósitos, a "sociedade online" possibilitada pela Internet, representa uma nova revolução na esfera da comunicação humana e na extensão dos poderes de nossos sistemas nervosos por meio da tecnologia. Esta via começou historicamente quando nossas espécies emergiram milhões de anos atrás, primeiro com o aprendizado e comunicação por gestos e imitação, e então por um passo poderoso representado pela aquisição da linguagem, e finalmente, pela invenção da escrita. A interacção electrónica global transformará radicalmente os nossos caminhos bem como os nossos cérebros. A neurociência nunca mais será a mesma.
Autora: Sílvia Helena Cardoso - Profissional de saúde e educação, investigadora, professora, escritora, produtora e empresária brasileira.
Mestre e Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo, Brasil; Pós-Doutora em Neurociências pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, EUA, e Pós-Doutora em Informática Biomédica pela Universidade Estadual de Campinas, Brasil.
Fonte: http://www.cerebromente.org.br/n05/editori5.htm