Mil ou milhões: quanto realmente custa criar um produto digital?
- Publicado em Artigos de Opinião
Actualmente, é bem plausível financiar um primeiro protótipo e validar uma ideia usando recursos próprios ou parte da margem de um negócio existente. “Basta ter um cartão de crédito para começar uma Startup”, dizem por aí… Com os primeiros utilizadores, surgem os primeiros investidores e aquele sentimento de que o pior já passou. Confiante, o empreendedor, incluindo o intra-empreendedor, redobra a sua aposta no negócio, aportando todos os recursos disponíveis, muitas vezes sem muita certeza de quanto ainda será necessário investir. Afinal, o importante é executar!
Infelizmente, a realidade é que, para cada 4 Startups que recebem investimentos, 3 vão queimar esse dinheiro e fechar as portas. A falta de recursos é uma das causas mais apontadas pelos empreendedores (#2 abaixo)
Na prática, entre a validação de um protótipo e o desenvolvimento de um produto escalável capaz de gerar uma receita saudável, estão outras importantes etapas que precisam ser planeadas com cautela e cujos investimentos podem ultrapassar os milhões. Actualmente, tenho visto cada vez mais projectos a serem executados sem um planeamento financeiro adequado, levando a cenários complicados e, em alguns casos, ao fracasso. Por isso, decidi escrever um pouco sobre este tema . Afinal, quanto dinheiro a sua empresa vai precisar para desenvolver o seu produto?
Do Protótipo ao Produto
Um conceito bastante simples mas muito esclarecedor que Martin Cagan apresenta no seu livro Inspired é o entendimento do “P” do MVP como sendo um protótipo — ou seja, uma versão preliminar — e não um “produto”, o qual é muitas vezes associado com uma solução pronta e madura. Ao se deixar claro o carácter preliminar dessa primeira solução, fica mais evidente a relação entre custo de validação da ideia (protótipo) e o custo de se escalar o negócio por meio de uma solução final (produto). Para se atingir esta etapa, são necessárias contínuas evoluções ao longo de várias iterações, aprimorando a solução desenvolvida e, consequentemente, aumentando o volume de investimento.
Um grande desafio é saber quando realizar este investimento. Para evitar o desenvolvimento de um produto sem “marketfit”, é recomendado que tal investimento siga de forma gradual conforme aumenta a confiança no modelo de negócios, canais de distribuição e mercado potencial. É neste momento que a startup naturalmente reforça o seu grupo técnico, começa a pensar na gestão de pessoas e de processos e entra em um novo patamar de comprometimento financeiro.
#Conclusão: cada etapa exige um nível de comprometimento financeiro diferente
Quanto custa?
Um grande desafio para todos, e isso não é de hoje, é a dimensão desse investimento. Fred Brooks, autor do clássico livro “The Mythical Man-Month: Essays on Software Engineering”, defende que:
“…o investimento em produto ‘pronto para escalar’ chega a ser 9x o valor da primeira versão de garagem”
Veja:
Program: é o software de “garagem”, ou seja, o resultado do esforço individual de um desenvolvedor. Está completo e pronto para ser mantido pelo próprio autor.
Programming Product: é aquele produto que pode ser usado, testado, editado e estendido por qualquer um.
Programming System: é a integração do programa com as suas demais interfaces e demais interacções entre aplicações.
Programming Product System: objectivo de todo empreendedor, é um produto completo e utilizável em todas as suas dimensões.
Na prática, muitos empreendedores partem de uma primeira versão e aos poucos, e sem consciência de custo, vão atacando os desafios do crescimento. Maior cobertura de teste, criação de micro-serviços, documentação, etc. Um erro comum é sub-dimensionar o tamanho do investimento necessário, levando a startup a carregar durante meses e anos um produto aquém das expectativas do mercado, sacrificando o go to market. No extremo oposto, vemos os fundadores que trabalham com pouca margem de erro e esgotam os recursos antes do produto estar pronto.
#Conclusão: um produto completo custa 9x que a solução de garagem inicial
Caso real — Olist
Um caso real e público de uma empresa brasileira que superou essa etapa com maestria é a Olist, startup que permite que vendedores comercializem por meio da sua plataforma em marketplaces como Amazon, Americanas, Extra, Ponto Frio, Submarino e Walmart. E tudo isso começou com um MVP simples e um grupo pequeno:
A Olist “entrou no ar” como Olist em meados de Fevereiro de 2015. A empresa toda tinha cerca de 7 pessoas sendo que 2 delas eram programadores de software. Esses programadores começaram a desenvolver o sistema da Olist em Novembro de 2014. A primeira versão do sistema da Olist foi desenvolvida em apenas 4 meses! Com apenas 2 programadores! E o mais impressionante: 2 programadores com pouca experiência profissional!
A empresa começou a operar e começou a crescer… e crescer… e crescer… até chegar na BlackFriday em Outubro/Novembro de 2015 quando recordes inimagináveis de vendas foram batidos. Nesse momento o sistema, que foi desenvolvido sem testes automatizados, sem processos, sem boas práticas de engenharia de software e por programadores inexperientes começou a apresentar fadiga.
Os problemas proliferaram e a coisa toda começou a sair um pouco do controle. Era o momento de estruturar a tecnologia da Olist. (…) Mais programadores foram contratados, um gestor foi colocado para organizar mais os processos, a empresa tomou mais conhecimento sobre o funcionamento do negócio, etc. (…) Em Janeiro de 2016 eu iniciava a minha jornada na Olist com um objectivo: fazer a Olist tornar-se referência em tecnologia…
https://engineering.olist.com/o-estado-da-tecnologia-na-olist-da18af46b284
Transformar um MVP em produto é um trabalho árduo e muitas vezes acontece ao longo de meses e anos. Não há nada de errado em fazer este processo em etapas, desde que o empreendedor tenha consciência de quanto trabalho ainda tem pela frente.
Da mesma forma que um produto mal desenvolvido restringe o crescimento e a competitividade da empresa, criando muitas vezes um pesadelo para o grupo técnico, o investimento mal dimensionado pode levar a empresa a fechar as portas. No caso da Olist, foram levantados U$5M entre Janeiro de 2016 e Janeiro de 2017, propulsionando a evolução tecnológica da empresa. A título de contraste com a teoria apresentada anteriormente, este montante é 5,9x maior que os U$835 mil levantados previamente.
Desafios do empreendedor
Parte do desafio do empreendedor e do seu grupo financeiro é saber dosear a disponibilidade e o consumo de recursos com ritmo de desenvolvimento e aperfeiçoamento do seu produto. A história mostra que essa não é uma actividade tão simples. Empresas como Youtube, Tesla, Facebook, Square, entre outras tantas, tiveram em suas trajectórias momentos de grande tensão financeira. Para superá-los, é necessária atenção redobrada ao planeamento financeiro, assim como constantes “reality checks” em relação ao estágio de desenvolvimento do produto e performance do grupo técnico.
Autor:
Rodolfo Pinotti
Innovation, Startups & Entrepreneurship