Menu
RSS
Portal Ciencia.ao

Portal Ciencia.ao

Genoma e Variações Genéticas dos Coronavírus

Fonte: https://www.michaeljfox.org/news/cost-genome-sequencing-falling-low-cost-alone-wonaeutmt-translate-genes-treatments

 

António A. N. de Alcochete

 Departamento de Biologia, Faculdade de Ciências, Universidade Agostinho Neto;

 Email: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.; Telef: (+244)924440694

 

INTRODUÇÃO

O conhecimento da genética, com recurso a tecnologias inovadoras e metodologias que possibilitam a análise e comparação de multiplos genomas dos vírus, vectores e hospedeiros, em função do tempo e do espaço é deveras bastante informativo pois permite entender a origem, a evolução e a dispersão geográfica da doença.

O termo genoma, introduzido em 1920 por Hans Winkler, foi utilizado como referência de toda a informação hereditária de um organismo que está codificada em seu DNA ou RNA, ou simplesmente, de uma  sequência de DNA completa de um conjunto de cromossomos.  Actualmente, o conceito de genoma compreende a informação necessária para construir, manter e conhecer a história evolutiva de um organismo (Cristescu, 2019).

 

1. GENOMA DOS CORONAVÍRUS

O genoma dos coronavírus é uma molécula de ARN de fita simples, sentido positivo, cujo tamanho varia entre 27 a 32 kpb e contém pelo menos seis “Open Reading Frames” (ORFs). As primeiras ORF (ORF1a/b), localizadas no extremo 5´, ocupam cerca de dois terços do genoma e codificam a poliproteína 1a,b (pp1a, pp1b). As restantes ORFs estão localizadas no extremo 3´e codificam, pelo menos, quatro proteínas estruturais: a gliproteína espiculada da cápside/envelope (S), responsável pelo reconhecimento dos receptores da celúla hospedeira; as proteínas de membrana (M), responsável pela forma da cápside/envelope; as proteínas da cápside/envelope (E), responsável pela montagem e liberação dos vírus; as proteínas nucleocapsídicas (N) envolvidas no empacotamento do genoma que desempenham um papel na patogenicidade como inibidor do interferon (IFN). Existem também proteínas estruturais e acessórias espécie-especificas, tais como as proteínas HE, 3a/b e 4a/b (Alanagreh et al., 2020).

Fig 1 – Genoma do SARS-Cov-2 (Fonte: Wu et al., 2020a).

 

 

Fig 2 – Genoma do SARS-Cov-2 mostrando os ARN genómicos e subgenómicos ((S, E, M, N, 3a, 6, 7a, 7b, 8) (Fonte: Fernandez-Rua, 2020)

 

2. VARIAÇÕES GENÉTICAS

Apesar do pequeno tamanho do genoma dos coronavírus, o processo evolutivo adapatativo em diferentes ambientes hospedeiros e a grande dispersão geográfica permite registar alterações genéticas estruturais e funcionais. Estudos de análise genética comparativa têm mostrado que os genomas dos coronavírus conservam entre 50% a 95% de semelhança. O genoma do SARS-CoV-2, que infecta o ser humano, parece conter até 15 genes muito semelhante ao SARS-CoV encontrado em Manis javanica (Pangolin) e nos morcegos, especialmente com o vírus Beta-CoV encontrado em morcegos, em 96,2%, e com Bat-CoV-RatTG13, em 79,2% com SARS-CoV (Zhu et al., 2020).

Embora seja notável a similaridade dos genomas, a subunidade da proteína S do vírus do Pangolim mostrou maior similaridade com SARS-CoV-2 do que com SARS-CoV e com o Bat-RaTG13.

Fig 3 – Similaridade genética e variações dos genomas de SARS-Cov-1, SARS-Cov e MERS-Cov (Fonte: Shereen et al., 2020)

 

As alterações genéticas são também refletidas pela elevada taxa de mutação mostrada pelos coronavírus. Foster et al. (2020) aplicaram um algoritmo matemático numa análise filogenética de 160 genomas de pacientes humanos, tendo identificado três variantes de SARS-Cov-2 (A, B e C), sendo que as variantes A e C são encontradas na Europa e América enquanto a variante B é encontrada na Ásia. Entretanto, deve-se realçar que a vaiante A, que é o genoma original do vírus identificado em Wuhan, não foi a variante predominante na cidade.

Xiaolu et al. (2020) analisaram 103 genomas de SARS-Cov-2, tendo identificado duas estirpes desse vírus, designados L e S, diferenciados por dois polimorfismos de nucleótido simples ou polimosfismos de nocleótido único (SNPs). A esitrpe L foi identificado como sendo mais prevalente na amostra do que a estirpe S. A falta de clareza sobre a implicação dessas alterações evolutivas na etiologia da doença sugerem a necessidade de estudos mais aprofundados do vírus. A análise do gene S viral que interage como receptor da célula hospedeira indicidou a ocorrência de recombinação genética (Wu et al., 2020b).

Zhang et al. (2020) sugeriram a ocorrência de mutações como resultado da classificação de 27 genomas em seis grupos genéticos, apesar da alta similaridade, num estudo de 27 pacientes de três cidades da China (Wuhan, Zejiang e Guangdong) e da Tailândia, todos com contactos a partir de Wuhan. Estes especialistas verificam que o grupo genético mais basal era de Guangdong e que o grupo do novo coronavírus apresentava 380 substituições de aminoácidos.

Laarmarti et al. (2020) analizaram 3067 genomas de SARS-CoV-2 provenientes de 59 países, com recurso a análise genomica comparativa, por meio de perfis das mutações e comparação das frequências, bem como a monitorização da sua geografia. Este grupo de cientistas identificou 716 mutações, sendo 457 mutações com efeito sem-sinónimo, 39 mutações recorrentes de efeito não-sinónimo, incluindo 10 mutações “hot-spot” com prevalência superior a 0,10 distribuídas em seis genes do SARS-Cov-2. O estudo mostrou genótipos específicos as localidades e a ocorrência simultânea de mutações devido a presença de vários haplótipos, sugerindo a acção de um mecanismo de co-acumulação de mutações e um agrupamento dos vírus em 3 sub-grupos.

Coppe et al. (2020) relataram 2334 mutações não sinónimas após análise de sequências de SARS-CoV-2 obtidas do CoV_GLUE5 37 (http://cov-glue.cvr.gla.ac.uk/: 9,028 available sequences (‘low coverage’ excluded), incluindo 4973 sequências de pacientes europeus. As duas principais mutações (S-D614G & nsp12-P323L) que divergem do virus SARS-CoV-2, Referência NCBI (NC_045512), são verificadas em todos os continents, com apenas 3 casos na Ásia. Foram identificadas mutações D614G na proteína S (encontrada em 2342 amostras), que determina o Grupo G, e co-evolui com a mutação P323L na proteína nsp12 (encontrada em 2318 amostras); a mutação ORF8-L84S (terceira mutação mais frequente), que determina o Grupo S; a mutação substituição do aminoácido L84S que co-evolui com outras três mutações: 55 nsp4-F308Y, ORF3a-G196V e N-S197L. Estas últimas três mutações, juntamente com as mutações S197L e a substituição de P13L na proteína N são pouco frequentes; a quarta mutação mais frequente é ORF3a-Q57H encontrada em 734 sequências; seguem-se as mutações N-R203K e N-G204R) encontradas na Europa; e, por último, referimos as mutações nsp6-L37F e ORF3a-G251V, correspondendo ao Grupo V.

Dorp e Balloux (2020) concluiram que as sequências genómicas estudadas partilham um ancestral comum que corresponde ao periodo que o SARS-CoV-2 infectou, pela primeira vez, o homem. Estes autores identificaram regiões do genoma que não variaram e 198 mutações recorrentes, sendo que aproximadamente 80% produziram alterações não-sinónimas na proteína S; mais de 15% de mutações recorrentes nas regiões Nsp6, Nsp11 e Nsp13 da ORF1ab e na proteína S, indicando uma evolução convergente de particular interesse no processo adaptativo do SARS-Cov-2 ao homem.

Eskier et al., (2020) ao estudar os efeitos das mutações ARN-dependente ARN polymerase (RdRp), em especial a mutação 4408C>, sobre a taxa de mutação e dispersão do vírus, concluíram que a mutação 14408C>T aumenta a taxa de mutação, enquanto que a mutação 15324C>T da RdRp, tem efeito contrário, sugerindo que a mutação 14408C>T pode ter contribuído para a dominância das suas co-mutações em diferentes regiões. Vankadari (2020), numa análise de sequências genómicas virais completas de 12 países diferentes, identificou 47 SNPs com impacto na virulência e resposta contra antivirais, sendo que as proteinas Nsp1, RdRp da gliproteina “pico” e a região ORF8 mutaram no periodo de 3 meses de transmissão humana.

Yang et all., (2020) identificaram seis agrupamentos filogenéticos com preferência geográfica, na análise de 1932 sequências genómicas completas do SARS-CoV-2. Estes autores acreditam que variações nucleótidicas simples (SNVs) em genomas estão na base dos resultados, bem como aportam contributos para a detecção, tratamento clinico, desenho de drogas e desenvolvimento de vacinas contra o virus.

Segundo Sen et al. (2020), o genoma do coronavírus possui seis a sete principais ORFs no sentido 5-3': as ORF1a e 1b que compreendem dois terços do genoma e codificam as poliproteínas não estruturais e quatro ORFs, à jusante, que codificam proteínas estruturais: a proteína de pico (S), a proteína de envelope (E), a proteína de membrana (M) e a proteína de nucleocapsídeo (N). Alguns coronavírus têm um gene de hemaglutinina-esterase (HE) entre ORF1b e S. Além dos genes conservados em coronavírus, o genoma de SARS-CoV contém vários genes acessórios específicos, incluindo ORF3a, 3b, ORF6, ORF7a, 7b, ORF8a, 8b e 9b.

 

3. CONCLUSÕES

Apesar do genoma do coronavírus ser pequeno e compreender uma molécula de ARN, de fita simples, o sentido positivo da molécula permite-lhe a sua rápida tradução imediatamente após a infecção das células hospedeiras, produzindo assim as proteínas necessárias para a sua replicação. Por outro lado a alta taxa de infecção, a alta especifidade da proteina “pico” (S) para com o receptor das células hospedeiras e a larga dispersão geográfica são qualidades inerentes a capacidade de mutação estrutural e funcional dos vírus. A consulta mostra o grande número de mutações registadas nos genomas dos virus, com diferentes graus de importância e têm sido classificadas como recorrentes (frequentes no espaço e no tempo), não-sinónimas (pontuais, ou seja, envolvem a substituição de um único nucleótido), tendo sido identificadas regiões “hot spot” (regiões onde as mutações ocorrem a uma frequência mais alta).

 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cristescu, Melania E. The concept of genome after one century of usage. Genome 62: iii–v (2019) dx.doi.org/10.1139/gen-2019-0129

Doğa Eskier, Gökhan Karakülah, Aslı Suner, Yavuz Oktay (2020) RdRp mutations are associated with SARS-CoV-2 genome evolution. bioRxiv preprint doi: https://doi.org/10.1101/2020.05.20.104885

Fernandez-Rua, José M (2020) Nuevo mapa genético del SARS-Cov-2. Biotech magazine & News, https://biotechmagazineandnews.com/nuevo-mapa-genetico-del-sars-cov-2/.

Hsin-Chou Yang, Chun-houh Chen, Jen-Hung Wang, Hsiao-Chi Liao, Chih-Ting Yang, Chia-Wei Chen, Yin-Chun Lin, Chiun-How Kao, and James C. Liao (2020) Genomic, geographic and temporal distributions of SARS-CoV-2 mutations. bioRxiv preprint doi: https://doi.org/10.1101/2020.04.22.055863

Lucyvan Dorp and François Balloux (2020) Emergence of genomic diversity and recurrent mutations in SARS-CoV-2. Infection, Genetics and Evolution, Volume 83, September 2020, 104351. https://doi.org/10.1016/j.meegid.2020.104351

Shereen, M.A., Khan, S., Kazmi, A., Bashir, N. and Siddique, R. (2020) COVID-19 infection: Origin, transmission, and characteristics of human Coronaviruses. Journal of Advanced Research 24(2020):91-98.

Sen S, Anand KB, Karade S, Gupta RM. Coronaviruses: origin and evolution. Medical Journal Armed Forces India. 2020 Apr 27;76(2):136–41. doi: 10.1016/j.mjafi.2020.04.008. Epub ahead of print. PMID: 32341622; PMCID: PMC7183968.

Vankadari, N. (2020) Overwhelming mutations or SNPs of SARS-CoV-2: A point of caution. Gene. 2020 May 20;752:144792. doi: 10.1016/j.gene.2020.144792. Epub ahead of print. PMID: 32445924; PMCID: PMC7239005.

Wu, F., Zhao, S., Yu, B., Chen, Y. M., Wang, W., and Song, Z. G., et al . (2020a) A new coronavirus associated with human respiratory disease in China. Nature [Epub ahead of print]. https://doi.org/10.1038/s41586-020-2008-3

Wu, A., Peng, Y., Huang, B., Ding, X., Wang, X., Niu, P., et al . (2020b) Genome composition and divergence of the novel coronavirus (2019-nCoV) originating in China. Cell Host & Microbe [Epub ahead of print]: 1931– 3128.

Xiaolu Tang, Changcheng Wu, Xiang Li, Yuhe Song, Xinmin Yao, Xinkai Wu, Yuange Duan, Hong Zhang, Yirong Wang, Zhaohui Qian, Jie Cui, Jian Lu (2020) On the origin and continuing evolution of SARS-CoV-2 . National Science Review. https://doi.org/10.1093/nsr/nwaa036

Zhang, L., Shen, F. M., Chen, F., and Lin, Z. (2020a) Origin and evolution of the 2019 novel coronavirus. Clinical Infectious Diseases [Epub ahead of print]. pii: ciaa112.

Zhu N, Zhang D, Wang W, et al. (fevereiro de 2020). «A Novel Coronavirus from Patients with Pneumonia in China, 2019». The New England Journal of Medicine. 382 (8): 727–733. PMID 31978945doi:10.1056/NEJMoa2001017

 

As Pandemias e a Sua Relevância

Fonte: https://www.healthline.com/health/what-is-a-pandemic

Ema Fernandes

Departamento de Ensino e Investigação de Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto

 

1. Alguns Conceitos

Epidemia refere-se ao aumento inesperado e muitas vezes repentino, do número de casos de uma doença acima do que é normalmente esperado. Refere-se a uma determinada população, numa área geográfica alargada de um determinado país, difere de surto somente na extensão geográfica. Referimo-nos ao surto quando este aumento está localizado numa determinada área de um país (CDC, 2012; Jekel JF, Katz DL, Elmore JG, 2005).

Existe pandemia quando uma epidemia se espalha por vários países ou continentes, geralmente afectando um grande número de pessoas (CDC, 2012; Jekel JF, Katz DL, Elmore JG, 2005).

Quando nos referimos a doenças transmissíveis, para que ocorra uma epidemia devem ser considerado os seguintes aspectos (CDC, 2012):

  • O aumento recente na quantidade ou na patogenicidade (capacidade de provocar doença) de um agente etiológico conhecido (vírus, bactéria ou outro);
  • A recente introdução de um agente etiológico num ambiente em que não existia antes;
  • Um modo apropriado de transmissão para que pessoas mais susceptíveis (com predisposição para desenvolver a doença) sejam expostas ao risco de ter a doença;
  • Alteração na susceptibilidade da resposta do indivíduo ao agente etiológico;
  • Factores que aumentam a exposição do indivíduo ou a existência de novas portas de entrada (formas diferentes de penetração do agente etiológico no organismo humano).

 

2. As pandemias consideradas piores

Peste Bubónica

A peste bubónica, causada pela yersinia pestis é transmitida pela picada das pulgas de ratos infectados. Deu origem a pelo menos três grandes pandemias: a Praga Justiniana, a Peste Negra e a Terceira Pandemia (MPHonline, 2019; Stenseth NC et al, 2008; Yersin A, 1894; Oldstone MBA, 2010).

A Paraga Justiniana ocorreu no ano 541 durante o reinado do Imperador Justiniano I no Império Bizantino cuja capital era Constantinopla, actual Istambul. Pensa-se que a Praga Justiniana tenha tido início em África com posterior dessiminação para a Europa pelos navios mercantes que alojavam ratos infectados. Em Constantinopla, progrediu rapidamente tendo provocado mais de 10 mil óbitos por dia. Depois de desaparecer no Império Bizantino, permaneceu na Europa, Ásia e África por vários anos, causando fome e devastação generalizada. Acredita-se que tenham morrido, pelo menos, 25 milhões de pessoas.

A Peste Negra ocorreu no período de 1340 a 1353, inicialmente localizada na Ásia - China, Índia, Pérsia e Síria. Após chegar a Roma e Florença, consideradas como o centro de rotas mercantis, dessiminou-se rapidamente para a Europa e para o norte de África. Esta peste dizimou a Europa Medieval, tendo tido um grande impacto no desenvolvimento socioeconómico, cultural, religioso e político. Em 1347, registou-se um aumento de casos na Europa o qual foi relacionado ao regresso de marinheiros Italianos provenientes da Crimeia. A observação da relação entre a chegada de navios com a disseminação da doença fez com que, pela primeira vez, se decretasse a lei de quarentena. A 27 de Julho de 1377, o Conselho Maior da Cidade de Ragusa, na Itália, aprovou a lei que impedia a entrada daqueles que vinham de áreas infestadas devendo permanecer em áreas apropiadas para a desinfestação. A peste negra teve o seu fim em 1353 tendo levado a óbito 50 milhões de pessoas, correspondente a mais de metade da população da Europa, na época.

A Terceira Pandemia teve início em 1855 na província Chinesa de Yunnan e por várias décadas foi-se disseminando pelo mundo. No início do século XX observou-se a dessiminação de ratos infectados, pelos seis continentes, em barcos a vapor. A pandemia teve o fim em 1950 levando a óbito cerca de 15 milhões de pessoas, maioritariamente na China e Índia. Apesar da devastação provocada, em 1894, Alexandre Yersin, médico em Hong Kong identificou o bacilo Yersinia pestis como agente causador da doença. Em 1898, Paul-Louis Simond confirma a transmissão da doença pela picada de pulgas de ratos infectados.

Figura 1 - Imagem de lesões da peste bubónica.1

Varíola

A varíola foi uma das doenças mais devastadoras com uma média de três óbitos a cada 10 infectados. Deu origem a cerca de 300 milhões de óbitos somente no século 20, três vezes superior ao total de óbitos, como consequência da guerra no mesmo século. Os que sobreviveram normalmente ficavam com cicatrizes profundas principalmente no rosto. A primeira pandemia teve início na China, no século VI, com dessiminação para a Coreia e o Japão. A sua dessiminação pelo mundo ao longo dos séculos estava relacionada com a invasão de países, cruzadas e expansão para as Américas e África. A primeira medida de prevenção consistiu em retirar o material das pústulas seguido da inoculação no braço ou no nariz em pessoas expostas sem sintomas. Estas desenvolviam sintomas como febre e rash cutâneo mas frequentemente não evoluiam para a morte. Em 1796, tem início o desenvolvimento da vacina que progressivamente começou a substituir o método descrito anteriormente (MPHonline, 2019; Oldstone MBA, 2010; CDC, 2016).

Em 1959 a Organização Mundial da Saúde (OMS) lança o programa de erradicação da doença tendo vindo a ser reforçado em 1967. O mundo une esforços e na 33ª Assembleia Mundial da Saúde a 08 de Março de 1980 é declarado o mundo livre da variola. A erradicação da variola é considerada a maior conquista em saúde internacional (CDC, 2016).  

Figura 2 - Imagem de lesões da variola.2

Gripe por Influenza

A pandemia por influenza causada pelo virus H1N1, com genes de origem aviária, dessiminou-se rapidamente pelo mundo entre 1918-1919. Foi considerada como a mais severa do século 20 tendo-se estimado a infecção de cerca de 500 milhões de pessoas, ⅓ da população mundial, com cerca de 50 milhões de óbitos. Com elevada taxa de mortalidade em adultos saudáveis dos 15-34 anos, teve como consequência a diminuição da população em idade economicamente activa e consequente impacto negativo na economia mundial (MPHonline, 2019; Oldstone MBA, 2010; CDC, 2019a).

Após 1918 ocorreram as pandemias do H2N2 em 1957, e em 1968 a pandemia do H3N2 com aproximadamente 1 milhão de mortes no mundo (MPHonline, 2019; Oldstone MBA, 2010; CDC, 2019a).

Em 2009, ocorreu a pandemia pelo virus (H1N1)pdm09, diferente do virus H1N1 que circulava até ao momento. Poucos jovens apresentaram imunidade para o novo vírus em contraste com ⅓ de adultos acima de 60 anos. Pensa-se que a imunidade destes adultos esteja relacionada com a exposição ao H1N1 em algum momento anterior da vida. Apesar da pandemia da gripe de 2009 afectar principalmente crianças e jovens, o impacto do vírus (H1N1)pdm09 na população global, durante o primeiro ano, foi inferior ao das pandemias anteriores (MPHonline, 2019; Oldstone MBA, 2010; CDC, 2019b).

 

Cólera

A história das pandemias de Ccólera remonta ao século XIX quando, em 1817, tem início a primeira pandemia com início na Índia e posteriormente em Myanmar, Bangladesh e Sri Lanka. Em 1829, emerge a segunda pandemia com início na Rússia. Dissemina-se pela Finlândia e Polónia chegando a Alemanha e Inglaterra. Em 1832 chega ao Canadá e aos Estados Unidos, com registo de 5 mil óbitos somente na cidade de Nova Orleans. No entanto, a terceira pandemia é a que provocou mais mortes, com início na Índia em 1852, rapidamente se propagou para o Médio Oriente, Europa, África e Estados Unidos da América com registo de 23 mil óbitos somente na Grã-Bretanha. John Snow utiliza o método epidemiológico e demonsta que o surto em Londres, em 1854, tem origem na fonte da água levando a diminuição dos casos após o encerramento desta fonte. De 1863 a 1881 outras pandemias ocorrem com milhares de óbitos em Espanha, Rússia, China e Japão. Nessa época Robert Koch identificou o Vibrio cholerae como agente etiológico da doença. A sexta pandemia ocorre de 1899 a 1923 com maior número de casos na Índia, Egipto e Rússia. Em 1961 tem início a sétima pandemia, com início na Indonésia, dessimina-se para a Índia com efeitos devastadores em África (MPHonline, 2019; Oldstone MBA, 2010; History of Cholera: Outbreaks & Timeline, 2017).

Figura 3 - Primeiro mapa efectuado por John Snow na epidemia de cólera em Soho, Londres, 1854.3

 

 

HIV/SIDA

O VIH (vírus de imunodeficiência humana) foi identificado pela primeira vez entre 1960-1970, na República Democrática do Congo, dessiminou-se rapidamente pelo mundo, levando a morte de 32 milhões de pessoas desde 1981, altura em que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) relaciona o vírus à Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) em indivíduos homossexuais previamente saudáveis infectados com Pneumocystis jirovecii, até ao fim de 2018 ((MPHonline, 2019; Oldstone MBA, 2010).

Com 74,9 milhões de infectados desde o início da pandemia até finais de 2018, existiam 37,9 milhões de pessoas vivendo com o HIV, sendo 36,2 milhões adultos e 1,7 milhões crianças abaixo de 15 anos. Cerca de 24,5 milhões têm acesso aos antirretrovirais, no entanto, 8,1 milhões de indivíduos desconhecem o seu estado serológico UNAIDS, 2019).

 

1- https://i2.wp.com/www.portalsaudenoar.com.br/wp-content/uploads/2015/10/peste-bubonica.jpg

2- https://blog.vitta.com.br/wp-content/uploads/2020/01/variola-causa-sintomas-e-formas-de-prevencao-scaled.jpg

3- https://www.hellerdepaula.com.br/wp-content/uploads/2013/07/Infografico_John-Snow_01.jpg

 

3. Referências Bibliográficas

Centers for Disease Control and Prevention. (2012) Lesson 1: Introduction to epidemiology. Section 11: Epidemic disease occurrence. Level of disease. https://www.cdc.gov/csels/dsepd/ss1978/lesson1/section11.html

Jekel JF, Katz DL, Elmore JG. (2005) Vigilância Epidemiológica e investigação de surtos. In Epidemiologia, Bioestatística e Medicina Prevemtiva. Porto Alegre, Brasil: Artmed, Pag 54-74.

MPHonline. Outbreak: 10 of the Worst Pandemics in History. (2019)

https://www.mphonline.org/worst-pandemics-in-history/

Stenseth NC, Atshabar BB, Begon M, Belmain SR, Bertherat E, et al. (2008) Plague: Past, present, and future. PLoS Med 5(1): e3. doi:10.1371/journal. pmed.0050003

Yersin A (1894) La peste bubonique à Hong-Kong. Ann Inst Pasteur 2: 428- 430.

http://www.bibnum.education.fr/sites/default/files/yersin28-pdf-rectifie.pdf

Centers for Disease Control and Prevention. History of Smallpox. (2016)

https://www.cdc.gov/smallpox/history/history.html

Oldstone MBA. (2010) VIRUSES, PLAGUES, AND HISTORY: Past, Present, and Future. Revised and Updated Edition. Oxford University Press, pag 53- 101

Centers for Disease Control and Prevention. 1918 pandemic (H1N1 virus). (2019a)

 https://www.cdc.gov/flu/pandemic-resources/1918-pandemic-h1n1.html

Centers for Disease Control and Prevention. 2009 H1N1 Pandemic (H1N1pdm09 virus). (2019b)

https://www.cdc.gov/flu/pandemic-resources/2009-h1n1-pandemic.html

Study.com. History of Cholera: Outbreaks & Timeline. (2017)

https://study.com/academy/lesson/history-of-cholera-outbreaks-timeline.html

UNAIDS. Global HIV & AIDS statistics-2019 fact sheet. https://www.unaids.org/en/resources/fact-sheet

Transmissão do Sars-Cov-2 de Humanos para Animais e Vice-Versa

Origem do SARS-CoV-21

 

Ginhas Alexandre Manuel, José Gomes Ngandu, Adriano Bingobingo, Orlis Bárbara Alfonso Loret De Mola

Faculdade de Ciências Agrárias, Universidade José Eduardo dos Santos, Huambo, Angola

Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.; Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.; Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.

 

Introdução

A actual pandemia de coronavírus COVID-19, foi relatada pela primeira vez na cidade de Wuhan, província de Hubei, República Popular da China, em Dezembro de 2020. Apesar dos esforços a nível global para o seu controlo, a mesma propagou-se praticamente por todos os paises, causando até 13 Julho de 2020, cerca de 13 milhões de casos confirmados e mais de 560 000 obitos (OMS, 2020).

A COVID-19 é uma doença causada pelo novo betacoronavírus SARS-CoV-2, que causa sintomas respiratórios agudos, febre, tosse seca e fatiga. Nos casos mais graves de indivíduos imunocomprometidos, a doença pode provocar uma infecção bacteriana secundária, como a pneumonia, insuficiência renal e até, a morte (Pal et al., 2020). O SARS-CoV-2 é similar aos betacoronavirus que causam a síndrome respiratória aguda grave (SARS) e da síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS), que causaram mais de 10.000 casos nas últimas duas décadas, com uma taxa de mortalidade de 10% para SARS-CoV e 37% para MERS-CoV (Gillespie et al., 2020; Sohrabia et al., 2020; Ena et al., 2020).

Investigações recentes, apontam que o SARS-CoV-2 tem um reservatório animal, geralmente animais selvagens, podendo transmitir-se aos humanos, pelo que se teoriza que este vírus é zoonótico, com probabilidade de propagar-se entre as espécies (de Wilde et al., 2018). Apesar dos esforços conjuntos de investigação, pouco se sabe sobre o reservatório natural deste vírus.

Alguns cientistas acreditam que a doença se originou nos morcegos chineses antes de saltar para um animal intermediário como o pangolim, e a partir daí, encontrar seu caminho nos seres humanos, como se representa na figura 1 (Callaway et al., 2020; Liu et al., 2020; Singh, 2020). Neste sentido Xu et al. (2020) destacam que pesquisas realizadas pela Universidade Agrícola do Sul da China apontam o pangolim como hospedeiro intermediário da SARS-CoV-2. Depois de analisar mais de 1.000 amostras metagenômicas, descobriram que aproximadamente o 70% dos pangolim são positivos para o coronavírus. Além disso, o vírus isolado do pangolim compartilhou 99% de similaridade de sequência com o actual vírus de estirpe humana SARS-CoV-2.

Em contraste, Ji et al. (2020), em um estudo recente sobre possíveis reservatórios do SARS- CoV-2, sugerem que o SARS-CoV-2 é um vírus recombinante derivado de um coronavírus de morcego e de outro coronavírus desconhecido. A recombinação entre as duas espécies de vírus, ocorreu no nível da glicoproteína que reconhece os receptores da superfície celular. Os resultados indicam que algumas cobras da China podem ser o reservatório selvagem mais provável para SARS-CoV-2, dada à similaridade no viés relativo no uso de códons sinônimos em comparação com os de morcego.

Actualmente, a preocupação global se baseia em estudos de análises filogenéticos que possam esclarecer se os animais domésticos e peridomésticos podem servir de hospedeiros intermediários ou facilitar a recombinação do vírus, servindo de hospedeiros de amplificação.

Esta revisão da literatura aborda aspectos relevantes que permitiram responder as seguintes questões de investigação:

  • O SARS-CoV-2 pode transmitir-se de humanos a outras espécies animais?
  • Os animais domésticos, depois de infectados, podem tornar-se reservatórios do virus SARS-CoV-2?

 

Risco da transmissão do SARS-CoV-2 de humanos para animais domésticos e de estimação

A Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), para garantir a saúde pública e animal, recomendam que as pessoas infectadas com a COVID-19, devem reforçar as medidas de higiene, e evitar o contacto com seus animais de estimação, enquanto estiverem doentes, salientando, que existem evidências de que os pacientes com COVID-19 podem infestar os seus animais de companhia.   

Pois, o primeiro caso de transmissão de humano para animal, foi relatado por um porta-voz do Departamento de Agricultura, Pesca e Conservação (AFCD) de Hong Kong. Tratou-se de um cão de estimação, que testou positivo ao vírus SARS-CoV-2, enquanto convivia com seu proprietario infectado com o vírus da COVID-19. Acredita-se que a infecção do cão, tenha sido possivelmente, através do seu proprietário (AFCD, 2020). Esta mesma fonte, informa que testaram 17 cães e oito gatos, de famílias com casos confirmados de COVID-19, ou de pessoas próximas com pacientes confirmados, e apenas dois cães testaram positivo para o vírus SARS-CoV-2.

Segundo a informação do Centro de controlo e prevenção de doenças (CDC), na cidade de Nova York, EUA, um tigre com uma doença respiratória, em um zoológico, testou positivo ao vírus que causa o COVID-19. As amostras do tigre foram coletadas, depois que vários leões e tigres, no referido zoológico, mostraram sinais de doença respiratória. As autoridades de saúde pública acreditam que os felinos tenham contraido a doença, por estarem expostos a um funcionário do zoológico, infectado com o vírus SARS-CoV-2 (CDC, 2020).

Por outro lado, Chen et al. (2015) investigaram diferentes animais domésticos (porcos, galinhas, cães, patos, gatos e gado) que convivem em próximo contacto com o ser humano, correndo o risco de serem infectados por SARS-CoV e observaram que o SARS-CoV humano, pode infectar mamíferos domésticos, em particular o porco, e que provavelmente a fonte da transmissão de SARS-CoV, poderia ser alimentação contaminada, visto que os mesmos eram alimentados com restos provenientes de restaurantes localizados nas cidades. Concluíram que, a vigilância permanente e as investigações em animais, especialmente durante e após um surto de SARS, poderiam levar a uma melhor compreensão e capacidade de controlar os reservatórios de animais naturais desta doença e impedir eventos de transmissão inter-espécies.

Temmam et al. (2020), investigadores do Instituto Pasteur, de Paris, partindo do conhecimento sobre a capacidade do SARS-CoV-2 de infectar alguns animais domésticos, testaram 21 animais (nove gatos e 12 cães) que conviviam com os seus proprietarios que faziam parte de uma comunidade veterinária de 20 alunos, com a finalidade de estudar a ausência de infecção por SARS-CoV-2 em gatos e cães, que mantinham contato próximo com um grupo de pacientes com COVID-19. Os autores concluíram que, embora alguns animais de estimação apresentassem vários sinais clínicos, indicativos de infecção por coronavírus, nenhum animal testou positivo para o SARS-CoV-2 por RT-PCR e nenhum anticorpo foi detectado no sangue, usando um ensaio de imunoprecipitação. Os mesmos, ressaltam que os  resultados encontrados, podem servir para melhor avaliação da gama hospedeira de SARS-CoV-2 em ambiente natural e em condições de exposição.

 

Risco da transmissão do SARS-CoV-2 de animais domésticos para humanos.

 A Associação Mundial de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA), num documento informativo, destaca, que até o momento, não há evidências, que apontam um hospedeiro animal específico, como reservatório do vírus SARS-CoV-2. Porém, estão em curso várias investigações, para maior esclarecimento do assunto (WSAVA, 2020).

No mesmo sentido, a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), salientam, que não há dados disponíveis, que confirmam que um cão, um gato ou qualquer animal de estimação, possa transmitir o COVID-19. Logo, por se tratar de uma temática em rápida evolução, as organizações em causa, comprometem-se a disponibilizarem informações atualizadas, no seu site, (spread of newly emerged coronaviruses) à medida que os diferentes grupos de investigação, forem produzindo novos conhecimentos sobre o assunto (OIE, 2020).

Shi et al. (2020), no estudo sobre susceptibilidade de furões, gatos, cães e diferentes animais domésticos ao SARS-CoV-2, infestaram intranasalmente os animais e alojaram, na mesma jaula, animais infectados com os seus parceiros não infectados e, para monitorar a transmissão do vírus, foram colectadas amostras intranasais e rectais. Os autores descobriram que, o SARS-CoV-2, se replica eficientemente em furões e gatos, se replica com dificuldade em cães e gado e não se replica em porcos, galinhas e patos. Os resultados encontrados, indicam que o SARS-CoV-2, pode-se replicar no trato respiratório superior de furões, por até oito dias, sem causar doença grave ou morte. O estudo demonstrou também, que, um em cada três gatos expostos ao vírus (gatos infectados) foi infectado, revelando que, a transmissão intra-espécies, (em gato) foi por via de gotículas respiratória. O estudo fornece informações importantes sobre os reservatórios animais de SARS-CoV-2.

Rodrigues et al. (2020), no trabalho Particularidades da infecção por diferentes estirpes de coronavírus em animais domésticos e de produção, afirmaram que alguns casos isolados de COVID-19, foram confirmados em alguns animais (cães e felinos), ressaltando que várias pessoas que possuem animais domésticos temem pela contaminação. Os autores destacam que a transmissão ocorre de humano a humano, e que os humanos podem contaminar os animais, porém não há evidência que animais contaminem os humanos, como se mostra na Figura 2.

Figura 2. Transmissão do vírus SARS-CoV-2. Se representa com a letra (A) a transmissão de humanos para animais; e com a letra (B) a transmissão de animais para humanos. (Figura adaptada de Perveen, et al., 2020).

Zhang et al. (2020) investigaram a infecção por SARS-CoV-2 em 102 gatos de estimação, na cidade de Wuhan, durante o surto de COVID-19. Os resultados revelaram uma prevalência 14,7% de gatos infestados. Os autores deduzem que, este fenómeno também pode estar a ocorrer em outras regiões com ocorrência da COVID-19, pelo que, os mesmos, alertam para que se executem acções no sentido de manter-se distância entre humanos e animais de companhia, como gatos e cães, e que se estreitem medidas de higiene e se programem também quarentenas para os animais infectados. O estudo apontou o risco de que os gatos possam estar envolvidos na transmissão do SARS-CoV-2. 

Goumenou et al. (2020), no artigo publicado no jornal Molecular Medicine Reports, em relação a possível transmissão da COVID-19, através de cães, na região Norte de Itália, manifestam, baseando-se na literatura consultada, que não existe até o momento, evidências de que os cães possam propagar a COVID‑19, para outros animais, incluindo humanos. Ainda assim, os autores, argumentam com dados científicos e factos ocorridos na Itália, durante a avalanche numérica causada pela pandemia, à necessidade de reconsiderar a possibilidade de que os cães sejam hospedeiros intermediários, e tenham contribuído na propagação da COVID-19, na região norte do pais.

 

Conclusões

Os dados existentes até o momento demostram que a contaminação de humanos para animais é possível. Pelo que, os pacientes com COVID-19, devem reforçar as medidas de higiene, e evitar o contacto com os seus animais de companhia. Até o preciso momento, não existem dados científicos disponíveis, que confirmem ou excluem a possibilidade da propagação do vírus SARS-CoV-2, de animal para humano. porém, estão em curso várias investigações, para maior esclarecimento do assunto. Por outro lado, grande parte dos trabalhos realizados, sobretudo os experimentais, acarreta uma margem de erro considerável, por vários factores, entre os quais, o curto período de tempo de realização dos mesmos, o reduzido tamanho de amostras e as condições de estudos.

 

Referências

AFCD. 2020. New Updates on Low-level of Infection with COVID‑19 in Pet Dog. 2020. Agriculture, Fisheries and Conservation Department (AFCD). https://www.pets.gov.hk/english/highlights/files/New_ Updates_on_Low-level_of_Infection_with_COVID‑19_in_Pet_Dog_0503__eng.p.

Callaway, E. and Cyranoski, D. 2020. Why snakes probably aren’t spreading the new China virus. Nature. 2020. https://www.nature.com/articles/d41586-020-00180-8.

CDC. 2020. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). [Online] 2020. Center for Disease Control and Prevention (CDC).. https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/daily-life-coping/animals.html.

Chen, W. J., Yan, M. H. and Yang, L. et al. 2015. SARS-associated coronavirus transmitted from human to pig. Emerging Infectious Diseases. 2015, Vol. 11, 3, pp. 446-448. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3298239/.

de Wilde, A. H., et al. 2018. Host Factors in Coronavirus Replication. Curr Top Microbiol Immunol. 2018, Vol. 419, pp. 1-42. [PMC free article] [PubMed] [Google Scholar].

Ena, J. and Wenzel, R. P. 2020. Un nuevo coronavirus emerge. Rev Clin Esp. Março 2020, Vol. 220, 2, pp. 115–116. PMID: 32063263.

Gillespie, T. R. and Leendertz, F. H. 2020. COVID-19: protect great apes during human pandemics,. Nature Research Journal. 26 March 2020, Vol. 579. https://www.nature.com/articles/d41586-020-00859-y.

Goumenou, M., Spandidos, D.A. and Tsatsakis, A. 2020. Possibility of transmission through dogs being a contributing factor to the extreme Covid‑19 outbreak in North Italy (2020). Molecular Medicine REPORTS. 2020, Vol. 21, pp. 2293-2295. Doi: 10.3892/mmr.2020.11037.

Ji, W., et al. 2020. Cross‐species transmission of the newly identified coronavirus 2019‐nCoV. Journal of Medical Virology. 2020, Vol. 92, 4. Special Issue: 2019 Novel. https://doi.org/10.1002/jmv.25682.

Liu, P., et al. 2020. Are pangolins the intermediate host of the 2019 novel coronavirus (2019-nCoV)? bioRxiv preprint. 2020. Doi: https://doi.org/10.1101/2020.02.18.954628.

OIE. 2020. OIE: Questions and answers on the 2019 Coronavirus Disease (COVID-19). 2020. World Organisation for Animal Health (OIE). Acessado em 30/04/2020.

OMS. 2020. Coronavirus disease (COVID-19) Pandemic. 2020. Organização Mundial da Saúde (OMS). https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019.

Pal, M., et al. 2020. Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus-2 (SARS-CoV-2): An Update. Cureus. 2020, Vol. 12 , 3 e7423. Doi: 10.7759/cureus.7423.

Perveen, S., et al. 2020. Coronavirus nCOVID-19: A pandemic disease and the Saudi precautions: Elsevier, Saudi Pharmaceutical Journal Science, Vol. 28 (7) pp. 888-897.

Rodrigues, K. M. M. T., et al. 2020. Particularidades da infecção por diferentes estirpes de coronavirus em animais domésticos e de produção. Revista Desafios. 2020, Vol. 7. Supl. COVID-19, 2020. Doi: http://dx.doi.org/ 10.20873/uftsuple2020-8952.

Shi, J., et al. 2020. Susceptibility of ferrets, cats, dogs, and different domestic animals to SARS-coronavirus-2. bioRxiv preprint. 2020. Doi: https://doi.org/10.1101/2020.03.30.015347.

Singh, R.B. 2020. Transmission Cycle of SARS CoV 2. StatPearls Publishing LLC. [Online] NCBI,  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK554776/figure/article-52171.image.f4//. Acessado 09/07/ 2020.

Sohrabia, C., et al. 2020. World Health Organization declares global emergency: A review of the 2019 novel coronavirus (COVID-19). International Journal of Surgery. 2020.

Temmam, S., et al. 2020. Absence of SARS-CoV-2 infection in cats and dogs in close contact with a cluster of COVID-19 patients in a veterinary campus. bioRxiv preprint. 2020. Doi: https://doi.org/10.1101/2020.04.07.029090.

WSAVA. 2020. O Novo Coronavírus e Animais de Companhia – Informação para os Membros da WSAVA. 2020. Comitês Científico e de Saúde Única da WSAVA. Documento Informativo https://wsava.org/wp-content/uploads/2020/03/COVID-19_WSAVA-Advisory-Document-Mar-7-2020-Portuguese.

Xu, J., et al. 2020. Systematic Comparison of Two Animal-to-Human Transmitted Human Coronaviruses: SARS-CoV-2 and SARS-CoV. Viruse. MPDI. 2020.

Zhang, Q., et al. 2020. SARS-CoV-2 neutralizing serum antibodies in cats: a serological investigation. bioRxiv. 2020. Doi: https://doi.org/10.1101/2020.04.01.021196.

1- Origem do SARS-CoV-2. Representação da possível origem do vírus SARS-CoV-2 a partir de morcegos chineses, tendo como hospedeiro intermediário o pangolim, evoluindo posteriormente, por contacto directo ao homo sapiens. (Figura adaptada de Singh, 2020).

Vigilância Epidemiológica

José Belchior da Silva1

 1 Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto

 

Notação Histórica

O termo "vigilância" tem sido objeto de redefinições com significados internacionalmente reconhecidos em que pese a relevante importância da aplicabilidade das suas acções. Desde a Idade Média e até os séculos XVII e XVIII, o vocábulo "vigilância" era vinculado aos conceitos de isolamento e quarentena. No entanto, a vigilância enquanto "instrumento de saúde pública" surgiu no final do século XIX, com o desenvolvimento da microbiologia. A sua prática em todo o mundo pautava-se nas chamadas doenças pestilentas, como a varíola e a febre-amarela e à execução de medidas "policiais".

Uma designação do termo vigilância adotada na Inglaterra no século XIX, por Farr e citada por Waldman, foi a de "inteligência epidemiológica", compreendida como sendo a "... faculdade ou habilidade de aprender, apreender ou compreender", bem como, num sentido mais restricto de "...obter e dispor de informações particularmente secretas." O termo "inteligência" pelo seu significado de caráter predominantemente militar foi substituído por "vigilância" em 1955 e aplicado pela primeira vez em saúde pública.

Outra consideração de Costa expressa que: as três primeiras décadas do século XX podem ser referidas como um período de "hegemonia das políticas de saúde pública", cujo modelo de atenção em saúde era orientado principalmente para o controlo de epidemias e para a adopção generalizada de ações de imunização. Ancorado-se nesse referencial sem absorver eventuais possibilidades de distorções que pudessem existir, a vigilância configurava a sua actuação no país, pautada exclusivamente nas doenças transmissíveis como resultado da concepção da qual emergiu.

Verifica-se que na primeira metade da década de 60, consolidou-se internacionalmente, uma maior abrangência no seu conceito. Waldman destaca que o conceito de vigilância passou a ter um sentido mais amplo e foi desenvolvido, inicialmente, por Langmuir e por Raska. O primeiro trabalhava no Centers for Diseases Control (CDC) em Atlanta nos Estudos Unidos da América (EUA) e o segundo no Instituto de Microbiologia e de Epidemiologia de Praga na Tchecoslováquia. Assim, em 1963 Langmuir, citado por Waldman define vigilância como sendo: "A observação contínua da distribuição e tendências da incidência de doenças mediante a colheita sistemática, consolidação e avaliação de informes de morbilidade e mortalidade, assim como de outros dados relevantes regulando a disseminação dessas informações a todos que necessitam conhecê-las."

A partir de 1964 Raska, conforme Waldman preocupou-se em diferenciar a "vigilância" da pesquisa epidemiológica agregando ao termo "vigilância" o qualificativo "epidemiológica", propondo inclusive a ampliação das suas acões para outras doenças além das doenças transmissíveis. No ano seguinte a designação foi consagrada internacionalmente com a criação da Unidade de Vigilância Epidemiológica da Divisão de Doenças Transmissíveis da Organização Mundial da Saúde (OMS). Desse modo, a vigilância epidemiológica (VE) passou a ser interpretada como o acompanhamento sistemático de doenças na comunidade, com o propósito de aprimorar as medidas de controle.

Em 1968 realizou-se a XXI Assembléia Mundial de Saúde, na qual ocorreram discussões técnicas sobre a vigilância epidemiológica. Na ocasião, foi aceite a incorporação como objecto do seu interesse de outras doenças além das doenças transmissíveis. A vigilância foi adquirindo assim um sentido amplo e mais estratégico. Contudo, a ampliação da abrangência do objecto da VE para outras doenças, além das doenças transmissíveis surgeria uma construção extremamente complexa na produção de conhecimentos, exigindo uma dinâmica institucional de produção contínua e sistemática de informações individuais e/ou coletivas, que pudessem configurar a "nova demanda", focalizada na reorganização da sua prática.

A percepção crescente da importância da prática da VE, levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Panamericana da Saúde (OPAS) na década de 70 a incentivarem a criação de Sistemas de Vigilância Epidemiológica nos países em desenvolvimento, ampliando as acções para um conjunto maior de doenças transmissíveis. Esses sistemas visavam principalmente a redução da morbimortalidade entre crianças e jovens. Nesse enfoque a vigilância epidemiológica surge conjugada às diversas acções de controle de doenças.

Em 1973 Fossaert et al. publicaram em 1974, um artigo fazendo uma revisão conceitual da "vigilância epidemiológica", estabelecendo uma definição abrangente contemplando o propósito, as funções, as atividades e as modalidades operacionais.

Assim, definiram a "vigilância epidemiológica" como sendo: "... o conjunto de actividades que permitem reunir informações indispensáveis para conhecer em todo momento o comportamento ou história natural das doenças, detectar ou prever qualquer mudança que possa ocorrer por alterações dos factores condicionantes, com o fim de recomendar oportunamente sobre bases firmes as medidas indicadas à prevenção e controle da doença" Fossaert et al.

Entretanto, algumas observações são feitas em relação à ampliação do objecto e das actividades da vigilância epidemiológica, com a inclusão de outras doenças no seu campo de abrangência. Goldbaum destaca que: "O modelo criado para um conjunto de doenças passíveis de controlo ou prevenção colectivas passa "acriticamente" a ser aplicado para outras tantas situações, nas quais sua eficácia ou pertinência é duvidosa." O autor citado deixa evidente a necessidade de se aprofundarem as discussões, com vista à construção de um modelo capaz de situar a "nova proposta".

Um certo entendimento da "vigilância" actualmente, implica em lançar-se um duplo olhar a saber: de um lado, o modelo tradicional vigente da vigilância epidemiológica referindo-se ao seu eixo central que já se tornou clássico com ênfase no processo informação-decisão-ação, preservando características específicas e considerando como objecto de sua prática os problemas de saúde, que pela sua magnitude, transcendência, susceptibilidade, gravidade, vulnerabilidade, e disponibilidade de tecnologias, mostrem-se adequados à sua intervenção no âmbito colectivo. De outro lado as propostas de discussão da "vigilância para a saúde" na busca de uma concepção mais abrangente, enquanto instrumento de saúde pública.

Thacker e Berkelman, em 1988, discutem entre outros pontos, se o termo "epidemiológica" é apropriado para qualificar a "vigilância", justificando que as atividades da vigilância enquanto prática de saúde pública situam-se em um momento anterior à implementação de pesquisas e à elaboração de programas de controlo de eventos adversos à saúde. A propósito dessa discussão os autores propuseram a substituição sob a denominação de "vigilância em saúde pública". No ano de 1989 a terminologia vigilância epidemiológica foi substituída internacionalmente pela denominação de vigilância em saúde pública, enfatizando que a alteração na denominação não implicava a adopção de novos aspectos conceptuais ou operacionais da vigilância epidemiológica.

Assim, Waldman enfatiza que: "... o uso do termo 'epidemiológica' para qualificar vigilância é um equivoco, uma vez que epidemiologia é uma disciplina abrangente, que incorpora a pesquisa e cuja aplicação nos serviços de saúde vai além do instrumento de saúde pública que denominamos vigilância." O autor citado, expõe uma série de questões discutidas em relação à incorporação da vigilância epidemiológica ao sistema de saúde, que se caracteriza notadamente mais como um sistema de informação que apoia os programas e/ou medidas de controlo de doenças transmissíveis, do que os recursos de apoio técnico-gerenciais aos serviços de saúde. Esse facto é apontado, pelo autor, como críticas que de alguma forma constituíram as origens de propostas que receberam a denominação de "vigilância à saúde". Esta terminologia vem atraindo polêmicas na construção da sua funcionalidade institucional no que se refere à definição concreta do seu objecto.

Segundo Barradas, as discussões sobre vigilância à saúde desdobram-se em pelo menos duas tendências: uma que defende a necessidade de superar a dicotomia entre a prática da vigilância epidemiológica e da vigilância sanitária, diluindo-as em um único bloco - as chamadas ações coletivas de saúde; e outra que defende uma certa especificidade dos objetos e métodos de intervenção suficientes para caracterizar dois conjuntos de actividades separadas mas porém integradas. A autora mencionada considera que essas trajectórias compõem-se de duas concepções, "generalidade versus especificidade" as quais se desdobram em três possibilidades organizacionais: a primeira reúne um conjunto indiferenciado de práticas de saúde, a segunda um conjunto particular de práticas de vigilância e a terceira um conjunto singular de práticas de vigilância epidemiológica.

 

Definição de Vigilância

A Vigilância é genéricamente o processo de seguimento de pessoas, objectos ou processos dentro de um sistema, em conformidade com normas estabelecidas para o controlo social ou de segurança. No campo da saúde a vigilância está relacionada às práticas de atenção e promoção da saúde dos cidadãos e de mecanismos adotados para prevenção de doenças. O uso da vigilancia é paulatinamente maior para melhorar políticas sobre o emprego dos  recursos de saúde e satisfação das necesidades das populações.

Vigilância Epidemiológica é definida como um "conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção, contenção e controlo.

 

Conceito de Vigilância em Saúde

Um ponto de partida é a definição de vigilância em saúde pública como “colheita, análise e interpretação sistemática e contínua de dados em saúde, essenciais para o planeamento, implementação e avaliação das práticas de saúde pública, intimamente integradas à disseminação desses dados para quem precisa saber” (Thacker et al., 2012).

Para caracterizar ainda mais a vigilância sistemática refere-se ao uso de métodos consistentes ao longo do tempo e em continuidade refere-se à colheita contínua ou periódica de dados úteis para identificar padrões e tendências por meio de análises, o que implica a aplicação rotineira e direcionada de métodos estatísticos aos dados, produzindo informações que os profissionais de saúde pública interpretam para entender a possível necessidade de acção.

Os elos finais na cadeia de vigilância são a comunicação real de informações importantes aos responsáveis por ações e a aplicação de dados à prevenção (Thacker et al., 2012).

 

Tipologia da Vigilância

Vigilância Epidemiológica  propriamente dita classifica-se como processo sistemático que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer doença. A Contra Vigilância é a prática desenvolvida para enganar ou dificultar a vigilância (hoje usada amplamente na tecnologia digital). A Vigilância Inversa é a reversão dos efeitos da vigilância, isto é vigiar aqueles que devem vigiar. A Sub-Vigilância (Steve Mann) é a vigilância inversa gravada por parte de um participante da mesma, hoje crescentemente usada por empresas informáticas incluindo-se empresas como Microsoft, Nokia, Hewlett Packard. Equivigilância é o equilibrio entre a vigilancia e a sub-vigilância. As Principais atividades da Vigilância Epidemiológica centram-se na colheita de dados, sua consolidação e análise que facilitem a tomada de decisões.

 

Sistema de Informação da Vigilância

Entende-se sistema como o “conjunto integrado de partes que se articulam para uma finalidade comum.”

Para um sistema de informação existem várias definições, tais como:

  • conjunto de unidades de produção, análise e divulgação de dados que atuam integradas e articuladamente com o propósito de atender às demandas para o qual foi concebido”;
  • reunião de pessoas e máquinas, com vista à colheita e processamento de dados que atendam à necessidade de informação da instituição que o implementa”;
  • conjunto de estruturas administrativas e unidades de produção, perfeitamente articuladas, com vista à obtenção de dados mediante a sua colheita, registo, processamento, análise, transformação em informação e oportuna divulgação”.

Em síntese, um sistema de informação deve disponibilizar o suporte necessário para o planeamento, tomada de decisões e acções dos gestores em determinado nível de decisão quer seja municipal, provincial e nacional, evitando-se os dados subjetivos.

O Sistema de Informação de Saúde-SIS é parte dos sistemas de saúde. Como tal integra as suas estruturas organizacionais e contribui para sua missão. É constituído por vários sub-sistemas e tem como propósito geral facilitar a formulação e avaliação das políticas, planos e programas de saúde, subsidiando o processo de tomada de decisões. Para tanto, deve contar com os requisitos técnicos e profissionais necessários ao planeamento, coordenação e supervisão das atividades relativas à colheita, registo, processamento, análise, apresentação, difusão de dados e geração de informações.

A informação é instrumento essencial para a tomada de decisões. Nesta perspectiva, apresenta-se como imprescindível ferramenta para vigilância epidemiológica, por constituir um factor desencadeante do processo “informação-decisão-acção”, tríade que sintetiza a dinâmica de actividade que, como se sabe, devem ser iniciadas a partir da informação de um indício ou suspeita de caso de alguma doença.

Dado - é definido como “um valor quantitativo referente a um facto ou circunstância”, “o número bruto que ainda não sofreu qualquer espécie de tratamento estatístico”, ou “a matéria-prima da produção de informação”.

Informação - é entendida como “o conhecimento obtido a partir dos dados”, “o dado trabalhado” ou “o resultado da análise e combinação de vários dados” o que implica a interpretação por parte do usuário. É “uma descrição de uma situação real, associada a um referencial explicativo sistemático”.

Não se deve perder de vista que a informação em saúde é o esteio para a gestão dos serviços, pois orienta a implantação, acompanhamento e avaliação dos modelos de atenção à saúde e das ações de prevenção e controle de doenças. São também de interesse dados/informações produzidos extra-sectorialmente, cabendo aos gestores do sistema a articulação com os diversos órgãos que os produzem, de modo a complementar e estabelecer um fluxo regular de informação em cada nível do sector saúde. Oportunidade, atualidade, disponibilidade e cobertura são características que determinam a qualidade da informação, características fundamentais para que todo o Sistema de Vigilância Epidemiológica-SVE apresente um bom desempenho.

 

 

Objectivos do SVE

Geral:

O objetivo principal de um sistema de vigilância em saúde é proteger a saúde, fornecendo as informações necessárias para direccionar, projectar e avaliar os esforços para controlar doenças e reduzir os custos sociais associados.

Especificos:

1: Orientar ações imediatas para controlar ameaças à saúde e segurança. É necessária capacidade para identificar eventos relacionados à saúde que exijam esforços de controle imediato e para fornecer dados e análises aos serviços relativos a esses esforços. Além disso, é necessária capacidade para impedir a exposição contínua ao risco identificado. A velocidade da resposta está condicionada à natureza do evento de saúde e à necessidade de identificar a causa, a vulnerabilidade da população em risco e a duração da latência considerada entre a exposição e o resultado da saúde.

2: Medir a carga de doenças e monitorar tendências ao longo do tempo e no espaço. As muitas medidas sobre a doença incluem o tipo de doença; o número e taxa de doenças; indicadores de gravidade, como requisitos para hospitalização, cirurgia ou número de dias perdidos; os custos econômicos e sociais de curto e longo prazo; e as estimativas de anos de vida evitáveis ou por incapacidade. O monitoramento constante das tendências dessas medidas a escala nacional, permitem avaliar o progresso em relação à saúde e aos objetivos e identificar tendências desfavoráveis que requerem mais atenção. Caracterizar ainda mais a região geográfica, por período, pela natureza, causa da doença e pela presença de fatores de risco conhecidos, permitirá que os esforços de intervenção sejam direcionados com mais eficiência.

3: Identificar populações por características sociodemográficas com alto risco, doença ou exposições perigosas.

4: Detectar e responder a novos ou emergentes eventos ou facilitar a investigação dos mesmos. A capacidade de identificar doenças novas e emergentes reside principalmente em sistemas de vigilância baseados em casos, envolvendo relatórios de entidades médicas, como hospitais, laboratórios ou prestadores de serviços de saúde. O exame contínuo de padrões evidentes nos esforços de vigilância baseados na população, também podem apontar para problemas emergentes. Os sistemas de relatórios e a infraestrutura para colher e analisar esses dados, requerem colaborações entre os programas de saúde e de vigilância, bem como a capacidade de disseminar rápida e eficazmente informações sobre suspeitas de novas relações causais que afectam a saúde.

5: Orientar o planeamento, implementação e avaliação de programas e políticas destinadas a prevenir e controlar doenças e exposições. As actividades e os dados de vigilância no nível de ocorrência municipal, provincial ou nacional, fornecem informações essenciais sobre como construir e implementar programas eficazes de prevenção à saúde. Uma vez implementadas, essas mesmas atividades de vigilância permitem uma avaliação contínua do sucesso, além de destacar onde são necessários esforços adicionais.

São Atribuições do SVE:

  • Zelar por todas as ações de vigilância, de prevenção e de controle de doenças transmissíveis;
  • Zelar pela vigilância de fatores de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis;
  • Controlar a saúde ambiental e profissional;
  • Efectuar a análise de situação de saúde da população.

São Funções do SVE:

  • Coordenação de programas de prevenção e de controle de doenças transmissíveis de relevância nacional,
  • Investigação de surtos de doenças;
  • Coordenação da rede nacional de laboratórios de saúde pública;
  • Fazer a gestão de sistemas de informação de mortalidade de doenças de notificação obrigatória.
  • Realizar de inquéritos de factores de risco;
  • Analisar a situação de saúde, incluindo investigações e inquéritos sobre factores de risco de doenças não transmissíveis.

As competências do SVE se estendem ao conjunto articulado de instituições (públicas e privadas) que direta ou indiretamente notificam doenças orientando condutas correspondentes.

São Propósitos do SVE:

  • Divulgar informações sobre doenças e epidemias;
  • Esclarecer os fatores relacionados com a ocorrência de doenças e epidemias em determinada população no espaço e tempo delimitados;
  • Realizar o planeamento de ações e a organização dos serviços.

O funcionamento do SVE resulta de um processo complexo que exige a articulação das três esferas de gestão pública (nacional, provincial e municipal) para efectivar as respectivas competências. A vigilância nacional pode facilitar a identificação de situações que exijam resposta imediata o que exigirá a interpretação e acção dos órgãos estatais, nacionais, provinciais e municipais.

Arranjo Funcional do SVE:

Princípios Orientadores do SVE

1 - Manter uma liderança forte robusta e colaborativa; construída em fortes laços com outras partes interessadas e relevantes é fundamental para o sucesso da vigilância epidemiológica.

2 - Garantir dados de qualidade: a monitorização contínua da qualidade dos dados e das actividades do sistema é essencial para garantir a eficiência e o impacto da vigilância.

3 - Proteger dados: a privacidade, a confidencialidade e o acesso aos dados devem ser salvaguardados, maximizando a utilidade das informações de vigilância para prevenção.

4 - Divulgar amplamente: a análise oportuna e a interpretação das entradas de vigilância com disseminação rotineira de informações em formatos relevantes, promover o uso de informações de vigilância para acção de todas as partes interessadas.

5 - Apoiar a força de trabalho de vigilância: um sistema nacional de vigilância eficiente e confiável requer profissionais de saúde pública com treinamento em vigilância de doenças e riscos e com as ferramentas e a tecnologia necessárias para alcançar os objetivos de vigilância.

6 - Definir o seguimento de padrões efetivos: o uso consistente de padrões para colheita, análise e apresentação e disseminação de informações aumentará a eficiência e a eficácia da vigilância.

 

Relação da Vigilância Epidemiológica e o Subsistema de Decisão

 

 

Referências Bibliográficas

Barradas RCB. (dez 1-4 de 1992). Reorientação das práticas de vigilância epidemiológica. Anais do I Seminário Nacional de Vigilância Epidemiológica.

Costa N.R (1986). Costa N.R. Lutas urbanas e controle sanitário: origens das políticas de saúde no Brasil. . Petrópolis: 2. ed. Petrópolis: Vozes;.

Fossaert D.H, et al. L. A. (1974). Sistemas de vigilância epidemiológica. anit Panam: Bol Ofic .

Goodman R.A, et al.R. P. (1995). Cómo comunicar información para la acción en salud pública. . Sanit Panam: Bol Ofic .

National Academies of Sciences, E. a. (2018). A Smarter National Surveillance System for Occupational Safety and Health in the 21st Century). Washington, DC : Consensus Study Report.National Academies Press.

Paim J.S, T. M. (1992). Reorganização do sistema de vigilância epidemiológica na perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasilia: Inf Epidemiol SUS 5: 27-54.

Rouquayrol MZ (1993). Epidemiologia & Saúde. 4. ed. Rio de Janeiro: Medsi; 1993. 455-66. Rio de Janeiro: 4. ed. Medsi.

Simmons, R. (2017). Surveillance Systems : Design, Applications and Technology. New York: Nova Science Publishers, Inc.

Teixeira, M. G. (Jul2012 de 2012). Evaluation of Brazil's public health surveillance system within the context of theInternational Health Regulations. . American Journal of Public Health, pp. Vol. 32 Issue 1, p49.

Waldman E.A., W. (1998). Usos da vigilância e da monitorização em saúde pública. S: Inf Epidemiol SUS 3: 7-26.

Waldman E.A., W. (; 1991). Waldman E.A. Vigilância epidemiológica como prática de saúde pública. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Waldman E.A., W. (1992). As concepções de vigilância como instrumento de saúde pública e a implantação do SUS. Brasília: Anais do I Seminário Nacional de Vigilância Epidemiológica.

Assinar este feed RSS

Links Úteis

Links Externos

Contactos

Redes Sociais