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Paralisia de sono: um pesadelo nocturno

Os pesquisadores do sono concluem que, na maioria dos casos, a paralisia do sono é simplesmente um sinal de que o corpo não está a cumprir devidamente as fases do sono. Esta condição é raramente associada a problemas psiquiátricos profundos.

Ao longo dos séculos, os sintomas da paralisia do sono foram descritos de várias maneiras e frequentemente atribuídos a uma presença "maligna": demónios nocturnos invisíveis nos tempos antigos, a velha bruxa em Romeu e Julieta de Shakespeare e abdutores alienígenas. Quase todas as culturas ao longo da história tiveram histórias de criaturas malignas que aterrorizavam humanos indefesos à noite. Faz algum tempo que as pessoas procuram explicações para essa misteriosa paralisia do sono e os sentimentos de terror que a acompanham.

A paralisia do sono é a sensação de estar consciente, mas incapaz de se mover. Ocorre quando uma pessoa passa entre estágios de vigília e sono. Durante essas transições, a pessoa pode não conseguir mover-se ou falar por alguns segundos até alguns minutos. Algumas pessoas também podem sentir um aumento de pressão ou sensação de asfixia. A paralisia do sono pode fazer-se acompanhar de outros distúrbios ligados ao sono, como a narcolepsia. A narcolepsia é a necessidade avassaladora de dormir causada por um problema com a capacidade do cérebro regular o sono.

A paralisia do sono geralmente ocorre uma a duas vezes. Se ocorrer enquanto a pessoa estiver a adormecer, é chamado de paralisia do sono hipnagógica ou pré-mitral. Se isso acontece quando estamos a acordar, tem o nome de paralisia do sono hipnopómpica ou pós-sentimental. Na paralisia do sono hipnagógica a pessoa adormece e o seu corpo relaxa lentamente. Normalmente tornamo-nos menos conscientes, então nos apercebemos da mudança. No entanto, se permanecermos ou ficarmos conscientes ao adormecer, é notável a paralisia nos movimentos e na fala.

No caso da paralisia do sono hipnopómpico, durante o sono, o corpo alterna entre o sono REM (movimento rápido dos olhos) e NREM (movimento dos olhos não rápido). Um ciclo de sono REM e NREM dura cerca de 90 minutos. O sono NREM ocorre primeiro e leva até 75% do seu tempo total de sono. Durante o sono NREM, o corpo relaxa e se restaura. No final do NREM, o sono muda para REM. Os olhos movem-se rapidamente e os sonhos ocorrem, mas o resto do corpo permanece muito relaxado. Os músculos estão "desligados" durante o sono REM. Com a devida atenção, conseguimos notar os efeitos da paralisia da fala e do corpo durante esta transição.

Até quatro em cada dez pessoas podem ter paralisia do sono. Esta condição comum é muitas vezes observada pela primeira vez na adolescência, mas homens e mulheres de qualquer idade podem tê-la. A paralisia do sono pode ocorrer em famílias. Outros factores que podem estar relacionados à paralisia do sono incluem:

  • Falta de sono;
  • Mudanças constantes do horário de descanso;
  • Condições mentais como estresse ou transtorno bipolar;
  • Dormir de costas;
  • Problemas de sono, como narcolepsia ou cãibras nas pernas durante a noite;
  • Uso de certos medicamentos, como aqueles para TDAH (Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperactividade) e;
  • Abuso de substâncias.

Por isso, caso não consiga mover-se ou falar por alguns segundos ou minutos ao adormecer ou acordar, é provável que esteja em presença de uma paralisia recorrente do sono. Muitas vezes não há necessidade de tratar essa condição. Fale com um médico se tiver alguns destes sintomas: ansiedade, cansaço excessivo durante o dia, insónia.

Não há necessidade de temer demónios nocturnos ou abdutores alienígenas. Caso tenha paralisia do sono ocasional, poderá tomar medidas em casa para controlar esse distúrbio. Comece por dormir  o suficiente. Faça o que puder para aliviar o estresse em sua vida - especialmente pouco antes de dormir. Tente novas posições de dormir, evitando dormir de costas. E não se esqueça de consultar o seu médico se a paralisia do sono impedir que consiga uma boa noite de sono de forma rotineira.

 

William Blahd, MD
Especialista em Emergências Médicas
Universidade de Arizona, Estados Unidos

 

Fonte: https://www.webmd.com/sleep-disorders/guide/sleep-paralysis#1

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Ciúme Patológico

Em questões de ciúme, a linha divisória entre imaginação, fantasia, crença e certeza frequentemente se torna vaga e ambígua. No ciúme as dúvidas podem transformar-se em ideias supervalorizadas ou francamente delirantes. Depois das ideias de ciúme, a pessoa é compelida à verificação compulsória de suas dúvidas. O(a) ciumento(a) verifica se a pessoa está onde e com quem disse que estaria, abre correspondências, ouve telefonemas, examina bolsos, bolsas, carteiras, recibos, roupas íntimas, segue o companheiro(a), contrata detectives particulares, etc. Toda essa tentativa de aliviar sentimentos, além de reconhecidamente ridícula até pelo próprio ciumento, não ameniza o mal-estar da dúvida.

Entre absurdos e ridículos, há o caso de uma paciente portadora de Ciúme Patológico que marcava o pênis do marido assinando-o no início do dia com uma caneta e verificava a marca desse sinal no final do dia (Wright, 1994). Mais absurda ainda é a história de outro paciente, com ciúme obsessivo, que chegava a examinar as fezes da namorada, procurando possíveis restos de bilhetes engolidos (Torres, 1999).

Os ciumentos estão em constante busca de evidências e confissões que confirmem as suas suspeitas mas, ainda que confirmada pelo(a) companheiro(a), essa inquisição permanente traz mais dúvidas ainda ao invés de paz. Depois da capitulação, a confissão do companheiro(a) nunca é suficientemente detalhada ou fidedigna e tudo volta à torturante inquisição anterior.

Os portadores de Ciúme Patológico comumente realizam visitas ou telefonemas de surpresa em casa ou no trabalho para confirmar as suas suspeitas. Os(As) companheiros(as) desses pacientes vivem dissimulando elogios e presentes recebidos ou omitindo factos e informações na tentativa de minimizar os graves problemas de ciúme, mas geralmente agravam ainda mais.

O que aparece no Ciúme Patológico é um grande desejo de controlo total sobre os sentimentos e comportamentos do(a) companheiro(a). Há ainda preocupações excessivas sobre relacionamentos anteriores, as quais podem ocorrer como pensamentos repetitivos, imagens intrusivas e ruminações sem fim sobre factos passados e seus detalhes.

O Ciúme Patológico é um problema importante para a psiquiatria, que envolve riscos e sofrimentos, podendo ocorrer em diversos transtornos mentais. Na psicopatologia o ciúme pode apresentar-se de formas distintas, tais como ideias obsessivas, ideias prevalentes ou ideias delirantes sobre a infidelidade. No Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), o ciúme surge como uma obsessão, normalmente associada a rituais de verificação.

Conceito de Ciúme

O ciúme é uma emoção humana extremamente comum, senão universal, podendo ser difícil a distinção entre ciúme normal e patológico (1). Na verdade, pouco se sabe sobre experiências e comportamentos associados ao ciúme na população geral, mas num estudo populacional, todos os entrevistados responderam positivamente a uma pergunta indicativa de ciúme, embora menos de 10% reconheceu que este sentimento acarretava problemas no relacionamento (Mullen, 1994).
Ciúme seria um conjunto de emoções desencadeadas por sentimentos de alguma ameaça à estabilidade ou qualidade de um relacionamento íntimo valorizado. As definições de ciúme são muitas, tendo em comum três elementos:
1.    Ser uma reacção frente a uma ameaça percebida;
2.    Haver um rival real ou imaginário e;
3.    A reacção que visa eliminar os riscos da perda do objeto amado.

A maneira como o ciúme é visto tem variações importantes nas diferentes culturas e épocas. Assim, no século XIV relacionava-se à paixão, devoção e zelo, à necessidade de preservar algo importante, sem conotações pejorativas de possessividade e desconfiança.

Nas sociedades monogâmicas o ciúme associa-se à honra e moral, sendo até um instrumento de protecção da família, talvez um imperativo biológico ou uma adaptação à necessidade de ciência da paternidade. Até bem pouco tempo atrás, dava-se grande ênfase à fidelidade feminina, enquanto a infidelidade masculina era melhor aceite. Mesmo em tempos modernos, atribui-se um papel positivo a alguma manifestação de ciúme, considerando-o um sinal de amor e cuidado.

O conceito de Ciúme Mórbido ou Patológico compreende vários sentimentos perturbadores, desproporcionais e absurdos, os quais determinam comportamentos inaceitáveis ou bizarros. Esses sentimentos envolveriam um medo desproporcional de perder o(a) parceiro(a) para um(a) rival, desconfiança excessiva e infundada, gerando significativo prejuízo no relacionamento interpessoal.

Alguns autores não consideram fundamental para o diagnóstico a crença superestimada da infidelidade, sendo mais importante o medo da perda do outro, ou do espaço afectivo ocupado na vida deste, para outros a base do Ciúme Patológico estaria no seu aspecto absurdo, na sua irracionalidade, e não no seu carácter excessivo (Mooney, 1965).

Em psiquiatria o Ciúme Patológico aparece como sintoma de diversos quadros, desde os Transtornos de Personalidade até doenças francas. Enquanto o ciúme normal seria transitório, específico e baseado em factos reais, o Ciúme Patológico seria uma preocupação infundada, absurda e emancipada do contexto. Enquanto no ciúme não-patológico o maior desejo é preservar o relacionamento, no Ciúme Patológico haveria o desejo inconsciente da ameaça de um rival (Kast, 1991).

No Ciúme Patológico várias emoções são experimentadas, tais como a ansiedade, depressão, raiva, vergonha, insegurança, humilhação, perplexidade, culpa, aumento do desejo sexual e desejo de vingança. Haveria clara correlação entre auto-estima rebaixada, consequentemente a sensação de insegurança e, finalmente, o ciúme. O portador de Ciúme Patológico é um vulcão emocional sempre prestes à erupção e apresenta um modo distorcido de vivenciar o amor, para ele um sentimento depreciativo e doentio. Esse paciente com Ciúme Patológico seria extremamente sensível, vulnerável e muito desconfiado, portador de auto-estima muito rebaixada, tendo como defesa um comportamento impulsivo, egoísta e agressivo.

O potencial para atitudes violentas é destacado no Ciúme Patológico, despertando importante interesse na psiquiatria forense. As estatísticas policiais sobre as vítimas do Ciúme Patológico normalmente estão distorcidas, tendo em vista o facto das mulheres raramente darem queixa das agressões que sofrem por esse motivo. O Ciúme Patológico pode até motivar homicídios, e muitas dessas pessoas sequer chegam aos serviços médicos. Para Palermo, a maioria dos homicídios seguidos de suicídio são crimes de paixão, ou seja, relacionados à ideias delirantes de Ciúme Patológico (Palermo, 1997). São, geralmente, crimes cometidos por homens com algum problema psicoemocional, desde transtornos de personalidade, alcoolismo, drogas, depressão, obsessão, até a franca esquizofrenia.

Ciúme e Doença Mental

Na prática clínica, o primeiro ponto importante quando diante de um indivíduo com preocupações de ciúme seria avaliar a racionalidade ou não dessas preocupações, assim como o grau de limitação ou prejuízo que acarretam. O grau de prejuízo costuma ser directamente proporcional ao carácter patológico. Não raro, atualmente, as preocupações com fidelidade não chegam a ser absurdas e muitas vezes são bastante compreensíveis.

A seguir, deve-se buscar um entendimento psicopatológico do sintoma, diferenciar se o fenómeno se trata de uma ideia obsessiva, prevalente ou delirante. Nesse sentido, é fundamental avaliar o grau de crítica do indivíduo em relação a essas preocupações. Como se sabe, uma pessoa pode estar delirante, ainda que o cônjuge de facto o(a) esteja traindo. Isso ocorre quando a crença na infidelidade for baseada em factos ou atitudes que em nada a justifiquem, e se for inabalável e irremovível pela crítica racional.

O terceiro aspecto seria a busca do diagnóstico responsável pelo sintoma, o qual, como dissemos, pode se tratar de uma obsessão, ideia prevalente ou delírio. Nunca é demais ressaltar que, da mesma forma que a ocorrência de delírios não implica nenhum diagnóstico específico, obsessões e compulsões não são sintomas característicos e exclusivos do Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
As obsessões podem acompanhar outros quadros psiquiátricos como, principalmente as depressões, demências e esquizofrenias. Sintomas depressivos podem ainda ser co-mórbidos e secundários ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo, o que ocorre com muita frequência, dificultando o diagnóstico diferencial.

Além da análise dos sintomas, investigando a natureza da preocupação de ciúme e a força da crença, é fundamental avaliar também se o sofrimento gerado tanto para o indivíduo como para o cônjuge, o grau de incapacitação no trabalho, na vida conjugal, no laser e na sociabilidade, ver ainda o risco de actos violentos e a qualidade global do relacionamento.

Deve-se ainda considerar os factores de predisposição emocional, como por exemplo, os sentimentos de inferioridade e insegurança, os transtornos psicológicos actuais ou anteriores, as experiências passadas de separação ou traição, traumas de relacionamento dos pais. Os factores precipitantes também merecem atenção, como é o caso do stresse actual, das perdas, mudanças e comportamentos provocativos do cônjuge. É sempre necessária uma avaliação cuidadosa e global em cada caso em particular.

O Ciúme Patológico pode coexistir com qualquer diagnóstico psiquiátrico. Entre pacientes internados os delírios de ciúme foram encontrados em 1,1 % deles. As prevalências diagnósticas foram as seguintes: psicoses orgânicas em 7%, distúrbios paranóides em 6,7%, psicoses alcoólicas em 5,6% e esquizofrenias em 2,5% (Soyka, 1995). Em pacientes ambulatoriais o Ciúme Patológico relaciona-se em grande parte a quadros depressivos, ansiosos e obsessivos. A maciça maioria dos portadores de Ciúme Patológico, entretanto, não está dentro dos hospitais e nem nos ambulatórios (Shepherd, 1961).

São bastante conhecidos os delírios de ciúme de alcoolistas, ao ponto desse sintoma ser considerado, durante algum tempo e por alguns autores, característico do alcoolismo. Destacava-se a impotência sexual proveniente do alcoolismo como importante factor no desenvolvimento de ideias de infidelidade, relacionadas a sentimentos de inferioridade e rejeição.
Nas mulheres, fases de menor interesse sexual ou atractividade física, como ocorre na gravidez e menopausa, produziriam redução da auto-estima, aumentando a insegurança e a ocorrência do Ciúme Patológico.

A prevalência do Ciúme Patológico no Alcoolismo gira em torno de 34% (Michael, 1995). A evolução comum do Ciúme Patológico como sintoma do alcoolismo, pode ser, inicialmente, apenas durante a intoxicação alcoólica e, posteriormente, também nos períodos de sobriedade.

Na Esquizofrenia, a prevalência do Ciúme Patológico com características delirantes em pacientes internados costuma ser de apenas 1 a 2,5%. Seria bem mais frequente em transtornos demenciais e em quadros depressivos do que na esquizofrenia (Soyka, 1995). No Transtorno Paranóide, os delírios de ciúme costumam aparecer em 16% deles (Shaji, 1991).
Pode-se ainda ter o delírio de ciúme bem sistematizado na sua forma pura, sem alucinações ou deterioração da personalidade, numa apresentação monossintomática. Este quadro actualmente denominado Transtorno Delirante de Ciúme, seria bem mais raro. Os Critérios Diagnósticos para Transtorno Delirante (F22.0 - 297.1), onde se inclui o Transtorno Delirante de Ciúme seriam:

  • Delírios não-bizarros que envolvem situações da vida real, tais como ser seguido, envenenado, infectado, amado a distância, traído por cônjuge ou parceiro romântico ou ter uma doença com duração mínima de 1 mês.
  • O critério A para Esquizofrenia não é satisfeito.

Nota: alucinações tácteis e olfativas podem estar presentes no Transtorno Delirante, se relacionadas ao tema dos delírios.

  • Excepto pelo impacto do(s) delírio(s) ou de suas ramificações, o funcionamento sócio-ocupacional não está acentuadamente prejudicado, e o comportamento não é visivelmente esquisito ou bizarro.
  • Se episódios de humor ocorreram durante os delírios, sua duração total foi breve relativamente à duração dos períodos delirantes.
  • A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos directos de uma substância, como por exemplo, uma droga de abuso, um medicamento ou não se deve à uma condição médica geral (onde se exclui o ciúme do alcoolista).

Especificar tipo (os tipos seguintes são atribuídos com base no tema predominante do(s) delírio(s):

  • Tipo Erotomaníaco: delírios de que outra pessoa, geralmente de situação mais elevada, está apaixonada pelo indivíduo.
  • Tipo Grandioso: delírios de grande valor, poder, conhecimento, identidade ou de relação especial com uma divindade ou pessoa famosa.
  • Tipo Ciumento: delírios de que o parceiro sexual do indivíduo é infiel.
  • Tipo Persecutório: delírios de que o indivíduo ou alguém chegado a ele está sendo, de algum modo, maldosamente tratado (grifo meu).
  • Tipo Somático: delírios de que a pessoa tem algum defeito físico ou condição médica geral.
  • Tipo Misto: delírios característicos de mais de um dos tipos acima, sem predomínio de nenhum deles.
  • Tipo Inespecífico.

Há vários anos suspeita-se que o Transtorno Obsessivo-Compulsivo poderia manifestar-se como Ciúme Patológico. Nesse caso os pensamentos atrelados ao Ciúme Patológico seriam indistinguíveis dos pensamentos obsessivos. Os pensamentos de ciúme seriam ruminações e as buscas por evidências da infidelidade, rituais compulsivos de verificação. Muitos pacientes teriam crítica e constrangimento por esses pensamentos e se esforçariam para afastá-los. Albina torres et al citam a famosa frase de Barthes em Fragmentos de um discurso amoroso: "Como homem ciumento eu sofro quatro vezes: por ser ciumento, por me culpar por ser assim, por temer que meu ciúme prejudique o outro, por me deixar levar por uma banalidade; eu sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum" (Torres, 1999).

De algum tempo para cá, vários autores têm sugerido a relação entre Ciúme Patológico e Transtornos Obsessivo-Compulsivos-TOC (Shepherd, 1961). Desta forma, pensamentos de ciúme podem ser vivenciados como excessivos, irracionais ou intrusivos e podem levar a comportamentos compulsivos, tais como os de verificação compulsiva. Ao considerar-se os tipos Ciúme Patológico, podemos observar que, enquanto no Ciúme Delirante o paciente está solidamente convencido da traição, no Ciúme Obsessivo ele sentirá dúvidas e ruminações sobre provas inconclusivas, em que certeza e incerteza, raiva e remorso alternam-se a cada momento.

É importante ressaltar que em estudos sobre TOC, o tema do Ciúme Patológico é pouco abordado, possivelmente por não ser um sintoma muito típico, e em trabalhos que estudam o Ciúme Patológico em geral, sua apresentação como uma manifestação sintomatológica do TOC também é pouco enfatizada, talvez por não estar entre os sintomas mais frequentes. Sob vários aspectos constata-se que os pensamentos de ciúme partilham várias características com os pensamentos das obsessões: são frequentemente intrusivos, indesejados, desagradáveis e por vezes considerados irracionais, em geral acompanhados de actos de verificação ou busca de reasseguramento. Os indivíduos que avaliam as suas atitudes como inadequadas ou injustificadas teriam mais sentimentos de culpa e depressão, enquanto os demais apresentariam mais raiva e comportamentos violentos.

Os pensamentos ou ruminações obsessivas de ciúme diferem das suspeitas de ciúme na medida em que são facilmente reconhecidos pelo paciente como ego distónicos, ou seja, irracionais e associados à resistência e culpa, enquanto as preocupações mórbidas são sintónicas, consistentes com o estilo de vida e centradas em problemas realísticos do indivíduo, raramente resistidas e só algumas vezes associadas à culpa.

Assim, nos pacientes obsessivos, as preocupações de ciúme tipicamente envolvem maior preservação da crítica, mais vergonha, culpa e sintomas depressivos, menor agressividade expressa e muitas ruminações e rituais de verificação sobre acontecimentos passados. De facto, há casos em que predominam comportamentos relacionados à depressão, tais como: retraimento, dependência e maior demanda por demonstrações afectivas, por vezes alternados com raiva, ameaças e agressões.

O ciúme considerado normal dá-se num contexto interpessoal, entre o sujeito e o objecto, enquanto o ciúme no Transtorno Obsessivo-Compulsivo seria intra pessoal, só dentro do sujeito. O ciúme normal envolveria sempre duas pessoas, e os pacientes melhorariam quando sem relacionamentos amorosos (Parker e Barret, 1997).

No Ciúme Patológico o amor do outro é sempre questionado e o medo da perda é contínuo, enquanto no amor normal (ou ideal) o medo não é prevalente e o amor não é questionado. No Transtorno Obsessivo-Compulsivo há sempre dúvida patológica com verificações repetidas, mesmo fenómeno que se observa no Ciúme Patológico. O medo da perda é também um sintoma proeminente no TOC, tanto quanto no Ciúme Patológico. Neste, a perda do ser amado não diz respeito à perda pela morte, como ocorre num relacionamento normal, mas o temor maior, o sofrimento mais assustador é a perda para outro(a).

As Obsessões, seriam definidas por:

(1) pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que, em algum momento durante a perturbação, são experimentados como intrusivos e inadequados e causam acentuada ansiedade ou sofrimento.

(2) os pensamentos, impulsos ou imagens não são meras preocupações excessivas com problemas da vida real.

(3) a pessoa tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou imagens, ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou acção.

(4) a pessoa reconhece que os pensamentos, impulsos ou imagens obsessivas são produto da sua própria mente (não impostos a partir de fora, como na inserção de pensamentos).

A ausência do termo ciúme nesses critérios seria o maior responsável pela relutância de muitos autores em diagnosticar o TOC em casos cuja apresentação é centrada em preocupações de infidelidade. Apesar de haver temas de ideias obsessivas mais frequentes no TOC, as possibilidades de conteúdos obsessivos e rituais compulsivos são infindáveis. Não há também nenhuma regra proibindo as ideias obsessivas de envolverem o tema ciúme com a mesma força que envolve a contaminação, sujidade, doença, etc.

Devido a essa resistência em se considerar o Ciúme Patológico como um Transtorno Obsessivo-Compulsivo normal com a diferença única no tema da ideia obsessiva, existem termos variantes do TOC, tais como Ciúme Obsessivo, Ciúme Obsessivo-Suspeitoso, forma Obsessivo-Compulsiva de Ciúme Patológico ou Ciúme com Características Obsessivas, evitando-se falar directamente em Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Talvez pelo tema ciúme ter forte natureza paranóide, a aproximação mais natural do transtorno seria com ideias delirantes e quadros tradicionalmente psicóticos.

Referências

Ballone GJ - Desejo Sexual Hipoativo - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral, Internet, disponível em <http://sites.uol.com.br/gballone/voce/ciume.html>última revisão 2002

Kast R. Pathological jealousy defined. Brit J Psychiatry 1991;159:590

Williams D, Schill T. Adult attachment, love styles, and self-defeating personality characteristics. Psychol Reports 1994;75:31-4.

Michael A, Mirza S, Mina KAH, Babu US, Vithayathil E. Morbid jealousy in alcoholism. Brit J Psychiatry 1995;167:668-72.

Mooney HB. Pathologic jealousy and psychochem~therapy. Brit ! Psychiatry 1965;111:1023-42.

Mullen PE, Martin J. Jealousy: a community study. Brit J Psychiatry 1994;164:35-43.

Palermo GB, Smith MB, Jenzten JM, Henry TE, Konicek PJ, Peterson GF, et al. Murder-suicide of the jealous paranoia type: a multicenter statistical pilot study. Am J Forensic Med Pathol 1997;18:374-83.

Parker G, Barret E. Morbid jealousy as a variant of obsessive-compulaiv ~ disorder. Aust N Z J Psychiatry 1997;31:133-8.

Shaji KS, Mathew C. Delusional jealousy in paranoid disorders. Brit J Psychiatry 1991;159:442-3.

Shepherd M. Morbid jealousy: some clinical and socia ,peci psychiatric symptom. J Med Science 1961;107:687-753.

Soyka M. Prevalence of delusional jealousy in schizophrenia. Psychopathol 1995;28:1 18-20.

Torres AR, Ramos-Cerqueira ATA, Dias RS. O ciúme enquanto sintoma do transtorno obsessivo-compulsivo. Ver. Bras. Psiquiatria 1999;21:3 158-73

Wright S. Familial obsessive-compulsive disorder presenting as pathological jealousy successfully treated with fluoxetine. Arch Gen Psychiatry 1994;51:430-I.



O Autor

Geraldo J. Ballone

Especialista em psiquiatria pela ABP e Professor do Departamento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina da PUCCAMP desde 1980. Coordenador do site PsiqWeb - Psiquiatria clínica didática para pesquisas e consultas

Artigo original: http://www.cerebromente.org.br/n16/diseases/ciume-patologico.html

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