O SARS-COV-2 e os Ambientes de Risco: Síntese de Evidências Destaque
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António de Alcochete1 e Emanuel Catumbela2
1Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências – Universidade Agostinho Neto, Email: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.(ORCID 0000-0002-7805-0193);
2 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina – Universidade Agostinho Neto, Email: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. (ORCID 0000-0002-3289-2643)
Introdução
A COVID-19 é uma doença causada pelo vírus SARS-CoV-2 que apresenta um grande espectro de dispersão geográfica. Segundo a organização Mundial da Saúde, até 25 de Julho de 2020, haviam 15.581.009 casos confirmados, dos quais 653.173 mortes, registados nas Américas, Europa, Sudoeste da Ásia, Mediterrâneo oriental, Africa e na região do Pacífico Ocidental. Estas regiões reflectem grande variação de parâmetros climáticos e atmosféricos aos quais o SARS-CoV-2 tem sobrevivido com facilidade e manifestado a sua grande capacidade infecciosa, no Homem (https://www.worldometers.info/coronavirus/).
A forma, rapidez e facilidade com que o vírus se propaga leva a pensar que o ambiente tem um papel importante. Decerto que a contaminação de várias superfícies, o tempo de sobrevivência e a capacidade infecciosa do vírus são questões relevantes para as estratégias de prevenção contra a COVID-19 e, portanto, necessárias conhecer sobretudo, dentro de infra-estruturas que albergam muitas pessoas e em locais onde as condições sanitárias e de saúde pública são precárias.
Assim, este artigo tem como objectivo sintetizar evidência do comportamento ambiental do SARS-CoV-2 e levar ao conhecimento da sociedade os potenciais ambientes de risco.
Os ambientes de potencial contaminação da COVID-19
Vários são os ambientes em que ocorre a contaminação da COVID-19, sendo que a presença do vírus SARS-CoV-2 tem sido detectada em superfícies sólidas, líquidas e no ar (Casanova et al., 2009; Carraturoet al., 2020; Chenet al., 2020; Chin et al., 2020; Chu et al., 2005; Collivignarelliet al., 2020; Duet al., 2020; Foladoriet al., 2020; Guet al., 2020; Huang et al., 2020;Jayaweeraet al., 2020; OMS, 2020); Onget al., 2020; Parket al., 2020; Peng et al. 2019; Rahmaniet al., 2020; Razziniet al., 2020;Tianet al., 2020; Y. Wu et al., 2020; Xiaoet al., 2020 eZhanget al., 2020;), incluindo alguma suspeição da sua presença nos alimentos (Bondad-Reantasoet al., 2020; Ceylanet al., 2020; Jefferson andHeneghan, 2020).
O ar como ambiente de contaminação da COVID-19
O vírus SARS-Cov-2 é uma partícula do tamanho que varia entre 0.004 a 1.0 µm, porém, no ambiente, encontra-se comumente associado a outras partículas complexas, de maior tamanho, agregadas a água, sal e proteínas (Dietzet al., 2020).
A forma mais comum de transmissão do vírus tem sido o ar de ambientes contaminados por pessoas infectadas, assintomáticas ou sintomáticas, principalmente os quartos de hospitais ou centros de quarentena, residências, escritórios, refeitórios, bares restaurantes, mercados, padarias, transportes, privados ou públicos, salas de convívio, salas de aulas ou creches. Nesses locais, o ar contaminado por tosse ou espirros, contém partículas com o vírus que são absorvidas por pessoas não doentes. A absorção das partículas pode ser directa, por contacto entre pessoas, ou indirecta, por contacto com superfícies no ambiente imediato ou com objectos usados pela pessoa infectada (Carraturoet al., 2020;Jayaweeraet al., 2020; OMS, 2020)(Figura 1).
Figura 1 – Exemplos de potenciaislocais de risco de contaminação da COVID-19, se nãoforemobservadasmedidas de biossegurança (Fonte: Buonnannoet al., 2020).
Jayaweeraet al., (2020) fizeram uma revisão bibliográfica sobre a transmissão de gotículas de vírus e aerossóis em diferentes contextos ambientais bem como sobre o comportamento de gotículas e aerossóis resultantes de uma pessoa infectada em vários espaços confinados, tendo concluído que a transmissão aérea desempenha um papel crítico na infecção de pessoas confinadas e que, nos hospitais ou centros de saúde, pode ocorrer a transmissão por aerossóis transportando o SARS-CoV-2. Segundo a OMS (2020), a transmissão do vírus via gotículas ocorre quando uma pessoa está em contacto próximo (entre um metro de distância) com alguém com problemas respiratórios (tosse e espirros) próximo, e portanto, corre o risco ter a sua boca, nariz ou os olhos expostos à essas gotículas (>5-10 µm de diâmetro), potencialmente infecciosas. A transmissão área do vírus refere-se a transmissão de gotículas, com menos de 5 µm de diâmetro, contendo vírus nos seus núcleos e que resultam da evaporação de gotículas maiores ou de partículas de poeira, podendo permanecer no ar até 4,5 horas e ser transmitidas a distâncias superiores a um metro.
Esse modo de transmissão foi estudado em 2005 por Chu et al.que entre outros achados observaram a presença do vírus SARS na nasofaringe de pacientes de um complexo residencial de Hong Kong, bem como a presença do vírus, num nível inferior, em pessoas das redondezas do complexo (Chu et al.), sugerindo as partículas de aerossóis como principal meio de transmissão em que os espirros, os aerossóis, os fómites e roedores contaminados exerceram um papel importante na transmissão. Num outro estudo, Rahmaniet al. (2020) revelaram, via PCR, a presença do SARS-CoV-2 em amostras de ar colectadas em quartos de pacientes em hospitais, cuja potencial transmissão resulta de factores como a distância do paciente, o uso da máscara de protecção ou oxigénio dos pacientes, actividades do paciente, tosse e espirros durante a amostragem, movimento do ar, condicionamento do ar, tipo de amostrador, condições de amostragem e condições de armazenamento e transferência.
Em ambientes abertos, as condições meteorológicas e a poluição do ar impactam na transmissão do SARS-Cov-2, tendo sido confirmado por Zhanget al. (2020), uma relação não linear dose-resposta entre a temperatura e a transmissão do coronavírus e uma correlação positiva entre os indicadores de poluição do ar e os novos casos.
As águas como ambiente de contaminação da COVID-19
A água de consumo humano, quando contaminada, constitui um dos principais meios de transmissão de doenças no homem, pelo que o seu potencial na transmissão do SARS-CoV-2 tem sido estudado. A análise de amostras de águas, potável e de esgoto, têm indicado a presença do SARS-CoV-2, pelo que a águas contaminadas podem constituir-se em veículos para a exposição humana.
Carraturoet al. (2009) verificaram que os coronavírus permanecem na água potável e nas águas de esgoto durante semanas, sugerindo as águas contaminadas como potencial veículo para a exposição humana, em caso de produção de aerossóis. Por seu lado, Collivignarelliet al. (2020) detectaram a presença do SARS-CoV-2 em águas residuais e esgotos sugerindo um grande potencial de excreção do vírus via fezes e urina de doentes infectados. Os mesmos resultados foram achados por Chenet al., (2020) Guet al., (2020) Huang et al., (2020) Tianet al., (2020) Y. Wu et al., (2020) e Xiaoet al., (2020).
O consumo de água potável tem sido uma das grandes preocupações em países onde o acesso ao precioso líquido ainda não é uma realidade. O tratamento da água, alteração do pH pela adição de cloro ou filtração com carbono activado até aos níveis de qualidade para o consumo humano parece eliminar o SARS-CoV-2. Por outro lado, as águas residuais e os canais de transporte de água para irrigação ou pequenos córregos, que atravessam aglomerados populacionais e, servem indevidamente para depósito de lixo e descarte de águas residuais de várias fontes, tornam-se, por isso, um potencial meio de contaminação do SARS-CoV-2.
As superfícies sólidas como ambiente de contaminação da COVID-19
A par da contaminação pelo ar, as contaminações por contacto com superfícies sólidas constituem os principais meios de infecção pelo vírus SARS-Cov-2. Razziniet al. (2020) estudaram a transmissão do vírus SRAS-Cov-2 em infra-estruturas de saúde em Milão, Itália, e concluíram que amostras de zaragatoas e dispensadores de desinfectantes para as mãos, equipamentos médicos, telas de toque de equipamentos, grades de cama e maçanetas estavam contaminadas, sugerindo a necessidade de desinfecção intensa, higienização das mãos e medidas de biossegurança para os profissionais de saúde nos hospitais, centros de saúde ou locais de quarentena institucional. Onget al. (2020), num estudo sobre a contaminação do ar, superfícies e equipamento de protecção pelo SARS-Cov-2, a partir de pacientes sintomáticos, também revelaram uma extensiva contaminação ambiental fundamentada na presença do vírus em amostras de espirros, de vasos sanitários e de lavatórios.
Chin et al. (2020), num estudo sobre a estabilidade do SARS-CoV-2 à temperatura e superfícies, concluíram que os vírus, em condições in vitro, são estáveis a 4ºC e tornam-se instáveis a medida que a temperatura aumenta, atingindo a inactivação à temperatura de 70ºC, num tempo de 5 minutos. À temperatura ambiente de 22ºC e humidade relativa de 65%, não detectaram vírus infeccioso em madeira e vestuário tratado, mas verificam uma certa estabilidade do vírus em superfícies lisas (vidro, notas, aço inoxidável e plástico). Entretanto, o vírus infeccioso foi detectável na camada externa das máscaras cirúrgicas.
Por seu lado, Onget al. (2020) revelaram uma extensiva contaminação ambiental fundamentada na presença do vírus em amostras de espirros, de vasos sanitários e de lavatórios, num estudo sobre a contaminação do ar, superfícies e equipamento de protecção pelo SARS-CoV-2, a partir de pacientes sintomáticos.
As superfícies de contacto directo ou indirecto, em ambientes fechados ou abertos, imediato ou durante o tempo de sobrevivência do vírus em superfícies contaminadas por pessoas infectadas com o SARS-CoV-2 são potenciais meios de transmissão do vírus entre humanos, sendo por isso imperioso o cumprimento das medidas de biossegurança estabelecidas pelas autoridades(Figura 2).
Figura2 - Conceptualização da deposição SARS-CoV-2. (a) Uma vez que um indivíduotenhasidoinfectado com SARS-CoV-2, partículasvirais se acumulamnospulmões e no tratorespiratório superior. (b) Gotículas e partículasviraisna forma de aerossóissãoexpelidas do corpopormeio de atividadesdiárias, comotosse, espirros e conversas, e eventosnãorotineiros, comovómitos, e podem se espalhar para ambientes e indivíduospróximos. (c e d) Partículasvirais, excretadas pela boca e nariz, sãofreqüentementeencontradasnasmãos (c) e podemserespalhadas para objectoscomumentetocados (d), comocomputadores, vidros, torneiras e bancadas. (Fonte: Dietzet al., 2020).
O sangue e as excreções humanas como contaminantes da COVID-19
O sangue, sendo o fluído corporal que percorre o sistema circulatório, podendo transportar o SARS-CoV-2, além de distribuir os nutrientes e oxigénio às células, transporta as excreções metabólicas para a sua eliminação do organismos. Assim, tem sido usado como o principal meio de testagem e exames epidemiológicos em muitas doenças, complementado com análises de urina e fezes.
Peng et al. (2019) detectaram a presença do vírus SARS-CoV-2 em amostras de urina, sangue e em zaragatoas anais e orofaríngeas. Esta é uma das poucas e raras referências relatando a presença do vírus em amostras de urina.
Chen et al. (2020),Collivignarelliet al.(2020),Guet al. (2020), Huang et al. (2020),Tianet al. (2020), Y. Wu et al. (2020),Xiaoet al. (2020) e Panet al (2020) ao analisarem, via RT-PCR, amostras diárias de esfregaço na garganta, escarro, urina e fezes obtidas de dois pacientes hospitalizados, verificaram que as cargas virais nas amostras de zaragatoa e escarro variaram entre 104 a 107 cópias por mL, durante o período de análise (5-6 dias após a manifestação dos sintomas) e nenhum RNA viral nas amostras de urina e fezes.
Foladoriet al. (2020) detectaram a presença do SARS-CoV-2 em fezes de pacientes infectados, levantando questões sobre o tratamento dos esgotos. Os autores consideraram a decrescente viabilidade do vírus devido a acção da temperatura, do pH, dos sólidos, dos micropoluentes, radicais livres de cloro e luz ultravioleta nas ETAR. Entretanto, em presença de condições sanitárias precárias, pode dificultar a adopção de estratégias de prevenção e combate ao vírus.
Parket al. (2020) investigaram a presença do SARS-CoV-2 em amostras gastro-intestinais de pacientes infectados assintomáticos ou sintomas leves, na Coreia, tendo concluído que o tracto gastro-intestinal pode ser uma via da transmissão do vírus e que, nesses pacientes, a quantidade de vírus de amostras respiratórias parecem similares a quantidade presente nas amostras de fezes. A maior persistência do vírus no tracto gastro-intestinal em relação ao tracto respiratório foi confirmada por Duet al. (2020) ao estudarem amostras fecais de crianças, no Hospital Jinam de Doenças Infecciosas, com recurso à RT-PCR.
Apesar da OMS (2020) reportar o contrário, parece existir suficiente evidências da presença do vírus SARS-CoV-2 em excreções humanas, como fezes e urina. Em países com o sistema sanitário débil, em que grande parte da população defeca e urina à céu-aberto, o SARS-CoV-2 pode ficar disponível no ar ou contaminar outros ambientes, constituindo assim um risco de transmissão do vírus para o homem.
Os alimentos como contaminantes da COVID-19
Na procura de alimentos, a população desloca-se aos bares, restaurantes, mini- e super-mercados, praças (mercados abertos) etc., criando um grande potencial de infecção, directa ou indirecta, pelo SARS-CoV-2. Por outro lado, a falta de higiene no manuseamento dos alimentos constitui um risco adicional de infecção pelo vírus.
Ceylanet al. (2020) ao estudar a relevância do SARS-CoV-2 na segurança e higiene alimentar, concluíram que pouca atenção tem sido dada a segurança alimentar e sua ligação potencial com a COVID-19, já que o vírus pode ser transmitido das pessoas para os alimentos. Estes autores sugerem o consumo de alimentos fervidos ou enlatados processados a altas temperaturas, a higienização de enlatados, bem como evitar a comercialização e consumo de alimentos exóticos. Adicionalmente, os autores sugerem uma revisão das práticas convencionais na indústria alimentar.
Por outro lado, Bondad-Reantasoet al. (2020) concluíram não haver evidências da infecção de animais aquáticos (por exemplo, peixes, crustáceos, moluscos, anfíbios) pelo SARS-CoV-2 e, portanto, esses animais não desempenham um significante papel epidemiológico na COVID-19, sendo que a potencial contaminação resulta da acção de pessoas infectadas pelo vírus.
Entretanto, os autores recomendam o manuseio e saneamento adequado dos alimentos que constituem os meios de subsistência, segurança e nutrição para populações do litoral. Jefferson eHeneghan (2020) sugerem que os riscos de contaminação dos alimentos ou seu empacotamento estão ligados aos trabalhadores infectados, pelo que medidas de biossegurança devem ser rigorosamente implementadas.
Neste texto foi feita a apresentação de evidências sobre o SARS-CoV-2 e o ambiente, com o intento de influenciar a mudança de comportamento da sociedade através da identificação de ambientes de risco referenciadas na bibliografia consultada. Parecem não haver dúvidas sobre a presença do SARS-CoV-2 no ar, sobretudo nos locais de confinamento de doentes e de pessoas infectadas assintomáticas, tão alto é o nível de biossegurança imposto pelas autoridades sanitárias mundiais e nacionais. A obrigação de equipamento de biossegurança nos hospitais e locais de quarentena e o uso de máscaras, bem como o distanciamento de mais de um metro nos locais públicos reforça esta constatação.
As mudanças a serem feitas pelos decisores, assim como pelas pessoas de forma individual podem ser resumidas no seguinte: (1) em ambientes fechados, é preciso considerar a possibilidade da circulação do ar, com a abertura das janelas, a entrada dos raios solares para esterilização natural do ambiente. Onde possível, devem-se usar filtros de ar com o valor mínimo de relatório de eficiência (MERV) de oito ou acima, capazes de reter partículas do tamanho de 0,3 a 10,0 µm; (2) considerar a limpeza dos móveis usando álcool entre 60 e 75% capaz de aniquilar as partículas víricas que podem existir sobre as superfícies dos objectos. Estabelecer um plano de limpeza que privilegie os ambientes onde há mais pessoas, os locais com maior possibilidade de infecciosidade como maçaneta das portas, botões de elevadores, corrimão das escadas, etc.; (3) embora não se tenha evidência de infecção obtida pelo ambiente, não podemos descurar o distanciamento físico, o uso de máscaras em ambientes fechados com mais que uma pessoa. Há que reorganizar os espaços abertos de trabalho para evitar que pessoas possam ser factor de transmissão do SARS-CoV-2, auxiliado por um ambiente húmido, fresco e pouco arejado (Figura 3).
Figura 3 – Risco de contaminação por transmissão aérea de coronavirus, em partículas de aerossóis, em ambientes públicos e medidas de biossegurança recomendados (Fonte:Tanget al., 2020)
Em conclusão, o SARS-CoV-2 permanece viável no ambientee sobre as superfícies feitas de diferentes materiais entre horas e dias. A implementação de medidas específicas e dirigidas podem auxiliar a controlar a pandemia da COVID-19 que o mundo atravessa. Porém, há que reorganizar a vida dentro dos ambientes fechados, respeitar o distanciamento físico, manter a limpeza sistemática dos espaços mais movimentados com produtos que podem inactivar as partículas virais que eventualmente, possam permanecer no ar ou nas superfícies, fruto de tosse, espirro ou mesmo perdigotos de pessoas infectadas que estejam ou tenham estado no ambiente.
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