Entrevista: Prof. Anabela Leitão. "A Produção Científica dos Angolanos é Francamente Baixa" Destaque
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Profª. Anabela Leitão, ladeada pelo seu orientador de Doutoramento, Prof. Alírio Rodrigues
Dados Pessoais:
Nome: Anabela da Graça Alexandre Leitão
Natural de: Cubal (província de Benguela, Angola)
Formação: Licenciada em Engenharia Química pela Universidade de Angola em 1980 e Doutorada em Engenharia Química pela Universidade do Porto (Portugal) em 1987
Cargos actuais: Vice-Decana para os Assuntos Científicos da Faculdade de Engenharia da Universidade Agostinho Neto (FEUAN) (desde 2010) e Directora do Laboratório de Engenharia da Separação, Reacção Química e Ambiente (LESRA) (desde 2010)
Cargos que ocupou anteriormente: Chefe do Departamento de Engenharia Química da FEUAN (1981-1984), Vice-Directora para os Assuntos Científicos da FEUAN (1989-2002), Pró-Reitora da UAN (1997-2002), Coordenadora do Colégio de Engenharia Química da Ordem dos Engenheiros de Angola (1993-2000)
1. Ciencia.ao: Como é que a ciência, tecnologia e inovação (CTI) pode contribuir para a diversificação da nossa economia e consequente desenvolvimento do país?
Profª. Anabela Leitão: Para que Angola se transforme num país desenvolvido, com uma economia diversificada, eficiente e competitiva, tem que preparar-se para a sociedade do conhecimento. Isto exigirá do Governo de Angola uma aposta e actuação concertada mais forte em todo o sistema de educação, na investigação científica, na inovação e na inclusão social. Os países que estão na vanguarda do desenvolvimento científico têm utilizado na produção industrial os avanços que realizam em várias áreas do conhecimento científico, o que tem contribuído para aumentar o fosso tecnológico e as assimetrias de competitividade entre esses países mais avançados e os de menor desenvolvimento.
2. Ciencia.ao: Sente-se, enquanto Director, satisfeito com a visibilidade da CTI realizada em Angola? Se não, o que julga ser necessário fazer?
Profª. Anabela Leitão: Não me sinto satisfeita, apesar de todo o trabalho realizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MINCT) desde a sua criação em 1997. Foi criada uma boa base legislativa em matéria de CTI que não havia no país, foi instituída a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia realizada de dois em dois anos, foi lançada a revista nacional de Ciência e Tecnologia, foi lançado em 2014 o Primeiro Edital Nacional para submissão de projectos de I&D, isto para salientar apenas algumas das acções empreendidas pelo MINCT.
Os primeiros indicadores de investigação e desenvolvimento experimental, recolhidos pelo MINCT em 2013 referentes ao período 2011/12, mostram uma fraca implementação de actividades de IDI no país. Em 2016 foram recolhidos indicadores referentes ao período 2013/14, mas ainda não foram divulgados os resultados. Em particular, nas instituições de ensino superior (IES) um diagnóstico, realizado em 2013 pela Direcção Nacional de Formação Avançada e Investigação Científica do Ministério do Ensino Superior, identificou 6 problemas principais que afectam a investigação científica e inovação (ICI) nestas instituições:
1.Deficiente visão dos gestores sobre o processo de ICI
2.Falta de RH qualificados para ICI
3.Falta de laboratórios, infraestruturas e meios para a ICI
4.Falta de financiamento do OGE destinado a ICI
5.Falta de incentivo, motivação para ICI
6.Falta de cultura científica
Não deixa de ser confrangedor e assustador que devendo ser as IES o coração da produção de conhecimento nas mais diversas áreas do saber ainda enfrentem no nosso país os problemas acima descritos.
Neste cenário, o que julgo ser necessário fazer é priorizar recursos financeiros para uma formação de excelência nas IES, com particular destaque e relevância para as públicas. Os bons quadros formados nestas instituições de excelência alimentarão todo o sistema de educação contribuindo para um melhor ensino e aqueles que forem seleccionados para a docência universitária e para centros de investigação serão investigadores competentes.
3. Ciencia.ao: Qual a sua opinião sobre a actual produção científica dos angolanos? O que se pode fazer para melhorar?
Profª. Anabela Leitão: A produção científica dos angolanos, cifrada em dois artigos por milhão de habitantes, é francamente baixa e este indicador pode ser melhorado de forma sustentável através da aposta do governo numa formação de excelência nas IES públicas. A publicação em revistas de grande impacto, onde o requisito produção de novo conhecimento ou duma nova aplicação de conhecimento existente é uma exigência para publicação, só será viável se nas IES forem implementados programas de doutoramento de qualidade reconhecida.
4. Ciencia.ao: Como acha que está o país em termos de documentos reitores da CTI? E quanto à sua aplicação?
Profª. Anabela Leitão: Em termos de documentos reitores da CTI penso que o Ministério da Ciência e Tecnologia tem feito um bom trabalho. Aguardamos que a proposta de criação do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNDECIT) seja aprovada para que os projectos de investigação constantes do PLANCTI 2014/15 possam finalmente ser financiados e novos editais para submissão de mais projectos de I&D possam vir a ser lançados. Aguardamos também que haja acções conjuntas dos Ministérios do Ensino Superior e da Ciência e Tecnologia para conformar a estrutura orgânica e regulamentação dos Centros de Estudos e Investigação Científica das IES ao Regulamento das Instituições Públicas de Investigação Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação e que o MINCT venha a implementar o Sistema Nacional de Avaliação e Acreditação das actividades de CTI convidando avaliadores externos com competências reconhecidas para o efeito.
Reconhecemos que o país passa por momentos difíceis a nível financeiro que têm travado a implementação de algumas acções em matéria de CTI. Em momentos de crise financeira torna-se ainda mais necessário canalizar recursos financeiros para o que é realmente prioritário e que dê garantias de efeitos multiplicadores. Acho assim que os Ministérios do Ensino Superior e da Ciência e Tecnologia devem concertar e desenvolver programas conjuntos que contribuam para uma formação de excelência nas IES públicas.
5. Ciencia.ao: Julga que a actual carreira de investigador científico satisfaz as necessidades do país nesse domínio? Pensa que esta é atractiva? Se não, como se pode atingir esse fim?
Profª. Anabela Leitão: O estatuto da Carreira do Investigador Científico, tal como o estatuto da Carreira Docente Universitária, devem exigir o cumprimento de requisitos de mérito comprovado na admissão e promoção de docentes e investigadores. Na minha opinião, nos dois documentos os requisitos devem ser equiparáveis para funções equiparáveis nas duas carreiras. Acho que os dois documentos devem ser actualizados e sobretudo que deve haver um maior rigor na aplicação destes instrumentos legais por parte dos conselhos científicos das instituições. O parecer dado por conselhos científicos idóneos deverá ser determinante na admissão e promoção de docentes e investigadores.
Penso que as duas carreiras não são suficientemente atractivas do ponto de vista remuneratório e daí a dificuldade em atrair os melhores quadros para a docência universitária e investigação científica. A dificuldade em reter os poucos quadros atraídos é ainda maior porque as vantagens remuneratórias resultantes da ascensão nas carreiras são reduzidas e as oportunidades de formação são limitadas.
Proponho que se estabeleça um novo regime remuneratório mais atraente, que se amplie a oferta local de oportunidades de formação pós-graduada e de bolsas de pós-graduação e que se avalie periodicamente o desempenho de docentes e investigadores e que esta avaliação produza efeitos que contribuam para a melhoria do sistema de educação e de indicadores de CTI no país.
6. Ciencia.ao: O que pensa do actual estado de recursos humanos em CTI no país? O que se pode fazer para melhorar?
Profª. Anabela Leitão: Há uma grande carência de recursos humanos bem preparados para a docência universitária e investigação científica. Os indicadores de CTI referentes a 2011/12 mostraram que nas Instituições de Investigação e Desenvolvimento e nas Instituições de Ensino Superior cerca de 50% dos investigadores e docentes universitários são Licenciados, 30% são Mestres e 20% são Doutores.
A % de investigadores e docentes universitários habilitados com o grau de Doutor é muito baixa. Ainda há a referir que infelizmente nem todos os Doutores mostram competências adequadas para a docência universitária e investigação científica. É urgente que se faça a avaliação das instituições e do desempenho de docentes universitários e investigadores de acordo com critérios mais rigorosos para se poder ter uma noção mais precisa do estado da situação no país.
Na minha visão só com um ensino superior de excelência poderemos ter recursos humanos competentes para as actividades de docência universitária e investigação científica e o investimento conducente à excelência deve ser feito no país.
7. Ciencia.ao: Qual a sua visão sobre o estado actual do financiamento da CTI em Angola? O que pode ser feito para melhorar?
Profª. Anabela Leitão: O financiamento da CTI em Angola é de facto quase nulo. Desenvolvem-se alguns projectos de I&D com financiamentos externos em colaboração com outros países, mas grande parte dos projectos constantes do PLANCTI 2014/15 aguarda por financiamento. É importante que seja instituído o Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNDECIT) e que este fundo possa vir a ser gerido com rigor e transparência para bem da investigação no país.
8. Ciencia.ao: Julga que existem instrumentos suficientes (por exemplo revistas científicas nacionais, conferências nacionais, etc.) para que os investigadores possam publicar os seus trabalhos? Se não, o que se pode fazer para melhorar?
Profª. Anabela Leitão: O Ministério da Ciência e Tecnologia tem realizado de 2 em 2 anos a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia cuja organização tem melhorado de edição para edição. É o único evento de âmbito nacional no qual docentes e investigadores podem dar a conhecer os resultados da investigação que realizam. Este ministério é proprietário da Revista Ciência e Tecnologia que desde que foi criada em 2011 publicou apenas um número. Há trabalhos científicos apresentados nas conferências nacionais de 2013 e 2015 que ainda aguardam pela publicação nesta revista.
No país existem ainda algumas revistas temáticas que são propriedade de unidades orgânicas de instituições de ensino superior, como por exemplo a Revista Angolana de Ciências Sociais e a Acta Médica Angolana para citar algumas.
Julgo ser importante dar vida à revista científica pluridisciplinar Ciência e Tecnologia através da publicação periódica de artigos revistos por especialistas convidados e procurar incluir esta revista nas bases de dados do ISI (International Scientific Indexing).
9. Ciencia.ao: O que pensa da avaliação às instituições de investigação científica, desenvolvimento tecnológico e inovação, e aos respectivos investigadores?
Profª. Anabela Leitão: Penso que a avaliação das instituições e dos seus recursos humanos deve constituir um exercício periódico obrigatório em todas as instituições para que se possam alcançar níveis de qualidade crescentes nas actividades desempenhadas por cada pessoa. Este exercício é absolutamente necessário e urgente nas instituições que se dedicam à formação.
10. Ciencia.ao: Quais as suas linhas de investigação?
Profª. Anabela Leitão: Dirijo um Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Agostinho Neto (Laboratório de Engenharia da Separação, Reacção Química e Ambiente) com as seguintes linhas de investigação: (1) Processos de Separação; (2) Reacção Química; (3) Reacção Biológica; (4) Tratamento de Águas e Águas Residuais; (5) Hidrologia e Recursos Hídricos; (6) Geoambiente; e (7) Poluição Atmosférica.
Já realizei e/ou coordenei trabalhos de investigação que se inserem nas linhas acima mencionadas.
11. Ciencia.ao: Quais os principais projectos de investigação científica que já realizou, estão em curso ou planeia realizar?
Profª. Anabela Leitão: Os principais projectos de investigação científica em que me envolvi como orientadora foram os que levaram ao doutoramento em 2012 dos 2 primeiros doutores na Universidade Agostinho Neto, ambos de Engenharia Química, um na especialidade de Processos de Separação e outro na especialidade de Ambiente. Adiciono a estes, a orientação de 14 dissertações de mestrado em Engenharia do Ambiente, nas especialidades de Tratamento de Águas e Águas Residuais, Geoambiente e Poluição Atmosférica, defendidas em 2011e 2015.
Estão curso outros projectos de investigação conducentes a doutoramento em Engenharia do Ambiente que oriento e que enfrentam dificuldades financeiras que ainda não foram resolvidas.
12. Ciencia.ao: Que avaliação faz da investigação científica no seu ramo?
Profª. Anabela Leitão: A investigação científica no meu ramo tem ainda muito pouca expressão se atendermos à dimensão dos problemas ambientais existentes no país que carecem de solução. Temos procurado formar recursos humanos no ramo que enveredem pelas carreiras docente universitária e de investigação científica, mas não tem sido fácil pela ausência de concursos públicos desde 2012 e pela pouca atractividade destas carreiras.
13. Ciencia.ao: Tem apresentado à sociedade os resultados das suas investigações? Se sim, como?
Profª. Anabela Leitão: Os resultados da investigação que realizamos tem sido apresentado à sociedade nas Conferências Nacionais de Ciência e Tecnologia, em eventos científicos organizados pela Universidade Agostinho Neto, em conferências internacionais realizadas em Angola, África do Sul, Portugal, Brasil, França, Estados Unidos da América do Norte, Japão, Índia e através da publicação em diferentes revistas internacionais indexadas da especialidade (Chemical Engineering Science; Computers and Chemical Engineering; Canadian Journal of Chemical Engineering; The Chemical Engineering Journal; Trans IChemE, Part A: Chemical Engineering Research and Design; Separation and Purification Technology; Biochemical Engineering Journal; Adsorption Journal; Industrial & Engineering Chemistry Research; Phytochemical Analysis; Journal of Environmental Science and Engineering; Environmental Monitoring and Assessment Journal).
14. Ciencia.ao: Na sua óptica, como deve ser a relação entre as Instituições de Investigação Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação e as Instituições de Ensino Superior? Verifica-se esta prática actualmente?
Profª. Anabela Leitão: Deve ser uma relação de colaboração e complementaridade entre instituições para que em conjunto se consiga melhorar o quadro actual dos indicadores de CTI em Angola. Esta prática já existe, mas deve ser ampliada e reforçada.
15. Ciencia.ao: Em termos de cooperação científica, como avalia o estado do país, e da sua Instituição em particular?
Profª. Anabela Leitão: Existe alguma cooperação científica entre diversas instituições em Angola e entre estas e instituições estrangeiras. Tenho ideia que a cooperação com instituições estrangeiras supera a existente entre instituições em Angola. O motivo para isto acontecer no nosso centro de investigação é a falta de parceiros científicos locais, pelo que para evoluirmos recorremos à cooperação com instituições fora de Angola. A cooperação com estas instituições traz-nos apenas conhecimento.
16. Ciencia.ao: Que importância atribui ao Conselho Nacional de CTI e ao Conselho Superior de CTI?
Profª. Anabela Leitão: Pela sua natureza são órgãos de importância inquestionável. Mas acho que têm tido pouca visibilidade. Não se têm tornado públicas as orientações saídas destes conselhos e acho que seria oportuno que tal acontecesse.
17. Ciencia.ao: Que conselhos poderá dar aos jovens investigadores?
Profª. Anabela Leitão: O melhor conselho que dou aos jovens investigadores é que trabalhem muito e sejam persistentes. Se gostam realmente da investigação, não desistam à primeira adversidade.
18. Ciencia.ao: Algo mais que gostaria de acrescentar ou recomendar?
Profª. Anabela Leitão: Desejo e recomendo que trabalhemos todos em conjunto para que se atinjam patamares de excelência no ensino superior e na investigação científica em Angola. Somos tão poucos que o esforço de todos é necessário.
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