Entrevista: Magnífica Reitora da UAN. "Não podemos dizer que há financiamento para a Ciência, Tecnologia e Inovação em Angola"
- Escrito por Portal Ciencia.ao
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Dados Pessoais:
Nome: Maria do Rosário Bragança Sambo
Natural de: Benguela
Formação: Médica Neurologista; Doutoramento em Medicina, Especialidade de Genética
Cargo actual: Reitora da Universidade Agostinho Neto (UAN)
Cargos que ocupou anteriormente: Decana da Faculdade de Medicina da Universidade Katyavala Bwila (Janeiro de 2011- Julho de 2015)
1. Ciencia.ao: Como é que a Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) podem contribuir para a diversificação da nossa economia e consequente desenvolvimento do país?
O desenvolvimento do país, do ponto de vista de crescimento económico, pressupõe a identificação das principais necessidades da sociedade, enfrentando os problemas locais e globais. A ciência, a tecnologia e a inovação têm em comum a particularidade de produzirem resultados que podem conduzir a novas abordagens e soluções para os problemas identificados na sociedade. A informação sobre a reprodutibilidade dos resultados e a aplicabilidade daquelas novas abordagens e soluções, bem como a avaliação do seu impacto são importantes para a tomada de decisões.
2. Ciencia.ao: Sente-se, enquanto gestor, satisfeito com a visibilidade da CTI realizada em Angola? Se não, o que julga ser necessário fazer?
A visibilidade da CTI depende da sua produção e da sua divulgação, quer para o grande público, quer para destinatários específicos, isto é para os que se interessam por certas áreas científicas com publicações científicas. A visibilidade da CTI realizada em Angola ainda é muito débil, apesar de se reconhecer que, sobretudo desde a última década, a produção científica de Angola aumentou, evidenciada por um maior número de acções de divulgação científica e de publicações científicas realizadas fundamentalmente por instituições de ensino superior e por alguns centros de investigação. O aumento da visibilidade da CTI depende, antes de tudo, do aumento da sua produção. Não se pode tornar visível o que não se produz e se produzimos pouco e ainda assim não divulgamos e não publicamos, então a visibilidade não pode aumentar. Portanto, é preciso criar condições para aumentar a produção e a sua divulgação e publicação científica.
3. Ciencia.ao: Qual a sua opinião sobre a actual produção científica dos angolanos? O que se pode fazer para melhorar?
Esta resposta está interligada com a anterior. Quem produz ciência? Onde é que habitualmente se produz ciência? Os investigadores são os produtores de ciência e para tal é preciso formar recursos humanos habilitados a este exercício regular. Quando falo em recursos humanos habilitados não me refiro exclusivamente aos doutores, mas também a técnicos de laboratório capacitados e a programas de formação pós-graduada permanentes que não sobrevivem sem a investigação científica realizada por estudantes de mestrado e de doutoramento, devidamente orientados. As nossas instituições de ensino superior, sobretudo as universidades e em redes de cooperação, devem ser potenciadas em recursos de vária ordem conducentes à concretização de programas de doutoramento, devendo-se priorizar as áreas científicas já identificadas no Plano Nacional de Formação de Quadros. Este processo deve ser paralelo com a actualização dos curricula dos cursos superiores, nestas mesmas áreas prioritárias, dando-se um enfoque especial à metodologia de investigação científica e à iniciação à investigação científica, de modo a ter um “viveiro” de potenciais candidatos a investigadores.
4. Ciencia.ao: Como acha que está o país em termos de documentos reitores da CTI? E quanto à sua aplicação?
De falta de documentos não nos podemos queixar, mas o mesmo não poderei dizer da sua aplicação que encontra obstáculos na falta de condições efectivas para a investigação.
5. Ciencia.ao: Julga que a actual carreira de investigador científico satisfaz as necessidades do país nesse domínio? Pensa que esta é atractiva? Se não, como se pode atingir esse fim?
Julgo que o problema não reside exclusivamente na carreira do investigador científico. A desejável interligação do ensino, investigação e extensão na docência na educação terciária pode ser o motor transformador de uma realidade como a nossa em que a exiguidade de recursos humanos qualificados é uma realidade insofismável. Quero dizer que mesmo que a carreira do investigador fosse atractiva com que recursos os quadros iriam trabalhar?
6. Ciencia.ao: O que pensa do actual estado de recursos humanos em CTI no país? O que se pode fazer para melhorar?
Eu continuo a insistir no papel das universidades, porquanto são as instituições vocacionadas para a capacitação dos recursos humanos, em múltiplas vertentes, que é um factor crítico para o sucesso. A operacionalização do plano de formação pós-graduada, que consta do PNFQ, tem de se efectuar com as universidades, sob a forma de contratos, de acordo com o avanço já alcançado em certos domínios, mas assegurando-se condições efectivas para a sua realização. Temos de sair de um plano abstracto para um plano realista, concreto e exequível.
7. Ciencia.ao: Qual a sua visão sobre o estado actual do financiamento da CTI em Angola? O que pode ser feito para melhorar?
Não podemos dizer que há financiamento para a CTI em Angola. Sem uma agência, independente, que seja dotada de fundos públicos para que de um modo regular e transparente possibilite a submissão de projectos de investigação para a obtenção de financiamento, através de editais, não teremos condições para modificar substancialmente o quadro actual. Naturalmente que os investigadores têm a obrigação de estar atentos s fontes de financiamento externo para concorrer no quadro de parcerias internacionais, mas tem de haver um montante de despesa pública, devidamente identificado, para a investigação científica. Aliás, é uma recomendação da UNESCO.
8. Ciencia.ao: Julga que existem instrumentos suficientes (por exemplo revistas científicas nacionais, conferências nacionais, etc.) para que os investigadores possam publicar os seus trabalhos? Se não, o que se pode fazer para melhorar?
Ao nível nacional, variando de uma região académica para outra, existem muitas iniciativas de fóruns para apresentação e discussão de trabalhos científicos, nas mais diversas áreas. No entanto, tal como referi atrás, a falta de recursos para a investigação limita a quantidade e a qualidade dos trabalhos. A divulgação e a publicação de trabalhos científicos tem custos que geralmente dificultam ou mesmo inviabilizam estas acções.
9. Ciencia.ao: O que pensa da avaliação às instituições de investigação científica, desenvolvimento tecnológico e inovação, e aos respectivos investigadores?
A avaliação efectuada com rigor é imprescindível para a identificação das debilidades das instituições e dos recursos humanos e para a planificação e execução de acções prioritárias para a paulatina superação.
10. Ciencia.ao: Enquanto investigadora, quais as suas linhas de investigação?
- Genética das doenças complexas
- Educação Médica
11. Ciencia.ao: Enquanto investigadora, quais os principais projectos de investigação científica que já realizou, estão em curso ou planeia realizar?
- Genética da malária cerebral – factores genéticos de susceptibilidade e resistência em crianças angolanas (Hospital Pediátrico David Bernardino) - realizado
- Malária e gravidez no Hospital Geral de Benguela – factores clínicos e laboratoriais – realizado
- Malária falciparum em grávidas na província de Benguela: as lesões placentárias, a resposta imunológica e os marcadores de susceptibilidade genética à infecção placentária – aprovado pelo PLANCTI e a aguardar financiamento
12. Ciencia.ao: Como investigadora, que avaliação faz da investigação científica no seu ramo?
Existe um número crescente de publicações científicas sobre factores genéticos de susceptibilidade/resistência à malária em populações africanas, procurando a identificação de bases moleculares da fisiopatologia com o objectivo de melhorar a terapêutica e contribuir para a concepção de vacinas contra a malária.
13. Ciencia.ao: Tem apresentado à sociedade os resultados das suas investigações? Se sim, como?
Os resultados da investigação têm sido apresentados em jornadas científicas, congressos nacionais e internacionais e em revistas científicas com revisão por pares.
14. Ciencia.ao: Na sua óptica, como deve ser a relação entre as Instituições de Investigação Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação e as Instituições de Ensino Superior? Verifica-se esta prática actualmente?
Deve ser uma relação de parceria, complementaridade e cooperação com vista ao desenvolvimento. Esta prática é imperceptível.
15. Ciencia.ao: Em termos de cooperação científica, como avalia o estado do país, e da sua Instituição em particular?
Já são evidentes sinais animadores de integração das instituições angolanas vocacionadas à investigação científica em redes de cooperação internacional, sobretudo para a realização de projectos conjuntos e submissão para a obtenção de financiamento. As Unidades Orgânicas da Universidade Agostinho Neto (UAN) têm contribuído para esta integração em redes internacionais, com outras universidades e institutos de investigação científica, quer para a criação de programas de mestrado e de doutoramento na UAN, quer para a concretização de projectos de investigação. Todavia, os resultados deste esforço estão ainda longe de serem os desejáveis, mas os que já se obtiveram são encorajadores para o incremento destas acções de cooperação.
16. Ciencia.ao: Que importância atribui ao Conselho Nacional de CTI e ao Conselho Superior de CTI?
Lamentavelmente, na prática, não são perceptíveis os seus sinais de funcionamento.
17. Ciencia.ao: Que conselhos poderá dar aos jovens investigadores?
Que procurem estar integrados em rede com investigadores de outras instituições nacionais e estrangeiras, se esforcem por manter o conhecimento actualizado sobre os progressos da investigação, tecnologia e inovação nas suas áreas de interesse e que procurem espaços para apresentação de artigos científicos e de debate científico.
18. Ciencia.ao: Qual a missão da UAN?
A UAN tem por missão a formação integral dos seus estudantes, a produção, difusão e transferência do conhecimento científico, tecnológico e cultural, em favor das comunidades, de acordo com os mais altos padrões internacionais, tendo em vista contribuir para a aprendizagem ao longo da vida e proporcionar valor económico, social, político e cultural à Sociedade.
19. Ciencia.ao: Resumidamente, qual o actual quadro da UAN em números?
- Proporção de docentes em tempo integral em 2015: 79%
- Número de docentes em 2014: mais de 900 (aproximadamente 370 Licenciados, 350 Mestres e 250 Doutores)
- Número de cursos de Mestrado em 2014: 32
- Número de Estudantes matriculados em 2014: Mais de 20000.
- Número de Graduados em 2014: 1485
20. Ciencia.ao: Quais as principais dificuldades na gestão da UAN?
De acordo com o documento "Diagnóstico da Situação – Análise SWOT UAN - 2016", há necessidade, entre outros, de intervenção no seguinte:
- Recursos humanos
- Avaliação sistemática e consequente do desempenho docente
- Sistema de garantia de qualidade
- Plataformas de gestão informatizada
- Integração entre a formação, investigação e extensão
- Comunicação institucional
- Balanço e avaliação regular das acções resultantes dos protocolos assinados
- Prática da Investigação Científica
- Editais e financiamentos públicos sistemáticos para candidatura a projectos de investigação
- Acções da universidade na comunidade
- Dispersão geográfica das infraestruturas das Unidades Orgânicas
21. Ciencia.ao: Como contactar a UAN?
Morada: Rua Direita da Camama e Rua do Estádio 11 de Novembro, Município de Belas, Luanda-Sul – Angola, CP. 815.
Portal: https://www.uan.ao
22. Ciencia.ao: Algo mais que gostaria de acrescentar ou recomendar?
É fundamental que se reforce a capacidade institucional das instituições de ensino superior para a ciência, tecnologia e inovação com programas específicos de desenvolvimento, devidamente financiados pelo Executivo Angolano.
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