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Os Efeitos da Cocaína no Cérebro

Produzida em 1859, a cocaína tem como origem a planta Erythroxylum coca, um arbusto originária da Bolívia e do Perú (mas também cultivado em Java e Sri-Lanka), em cuja composição química se encontram os alcaloides Cocaína, Anamil e Truxillina (ou Cocamina).

As propriedades primárias da droga bloqueiam a condução de impulsos nas fibras nervosas, quando aplicada externamente, produzindo uma sensação de amortecimento e enregelamento. A droga é também vaso constritora, isto é, contrai os vasos sanguíneos inibindo hemorragias, além de funcionar como anestésico local, sendo este um dos seus consumos na medicina. Ingerida ou aspirada, a cocaína age sobre o sistema nervoso periférico, inibindo a reabsorção, pelos nervos, da norepinefrina (uma substância orgânica semelhante à adrenalina). Assim, ela potencializa os efeitos da estimulação dos nervos. A cocaína é também um estimulante do sistema nervoso central, agindo sobre ele com efeito similar ao das anfetaminas.

A quantidade necessária para provocar uma overdose varia de uma pessoa para outra, e a dose fatal vai de 0,2 a 1,5 grama de cocaína pura. A possibilidade de overdose, entretanto, é maior quando a droga é injectada directamente na corrente sanguínea. O efeito da cocaína pode levar a um aumento de excitabilidade, ansiedade, da pressão sanguínea, de náusea e até mesmo de alucinações. Um relatório norte-americano afirma que uma característica peculiar da psicose paranóica, resultante do abuso de cocaína, é um tipo de alucinação na qual formigas, insectos ou cobras imaginárias parecem estar a caminhar sobre ou sob a pele do cocainómano. Embora exista controvérsia, alguns afirmam que os únicos perigos médicos do consumo da cocaína são as reacções alérgicas fatais e a capacidade de a droga produzir forte dependência psicológica, mas não física. Por ser uma substância de efeito rápido e intenso, a cocaína estimula o consumidor a consumi-la seguidamente para fugir da profunda depressão que se segue após o seu efeito. A Coca-Cola, um dos refrigerantes mais populares, foi originalmente uma bebida feita com folhas de coca, e vendida como um "extraordinário agente terapêutico para todos os males, desde a melancolia até a insónia". Complicações legais, todavia, fizeram com que a partir de 1906 o refrigerante passasse a utilizar na sua fórmula folhas de coca descocainadas (Revista Planeta, Julho,1986).

 

Os malefícios da cocaína

A cocaína é a droga que mais rapidamente devasta o seu consumidor. Bastam alguns meses ou mesmo semanas para que ela cause um emagrecimento profundo, insónia, sangramento do nariz e coriza persistente, lesão da mucosa nasal e tecidos nasais, podendo inclusive causar perfuração do septo. Doses elevadas consumidas regularmente também causam palidez, suor frio, desmaios, convulsões e paragem respiratória. No cérebro, a cocaína afecta especialmente as áreas motoras, produzindo agitação intensa. A acção da cocaína no corpo é poderosa, porém, breve, durando cerca de meia hora, já que a droga é rapidamente metabolizada pelo organismo.Interagindo com os neurotransmissores, tornam imprecisas as mensagens entre os neurónios.

 

Função Normal da Dopamina no Cérebro

Sabe-se que neurotransmissores como a dopamina, noradrenalina e serotonina (esta última recentemente descoberta) são catecolaminas sintetizadas por certas células nervosas que agem em regiões do cérebro promovendo, entre outros efeitos, o prazer e a motivação. Depois de sintetizados, estes neurotransmissores são armazenados dentro de vesículas sinápticas. Quando surge um impulso eléctrico no terminal nervoso, as vesículas direccionam-se para a membrana do neurónio e libertam o conteúdo, por exemplo, da dopamina, na fenda sináptica. A dopamina atravessa, então, essa fenda e liga-se aos seus receptores específicos na membrana do próximo neurónio (neurónio pós-sináptico). Uma série de reacções ocorre quando a dopamina ocupa receptores dopaminérgicos daquele neurónio: alguns iões entram e saem do neurónio e algumas enzinas são libertadas ou inibidas. Após a dopamina se ter ligado ao receptor pós-sináptico, ela é capturada novamente por sítios transportadores de dopamina localizados no primeiro neurónio (neurónio pré-sináptico).
A recaptura dos neurotransmissores é um mecanismo fundamental para manter a homeostasia e permitir que os neurónios reajam rapidamente a novas exigências, já que o trabalho do cérebro é constante. 

 

A Entrada de Cocaína no Cérebro

Quando a cocaína entra no sistema de recompensa do cérebro, ela bloqueia os sítios transportadores dos neurotransmissores acima mencionados (dopamina, noradrenalina, serotonina), os quais têm a função de levar de volta estas substâncias  que estavam a agir na sinapse. Desta maneira, ela possibilita a oferta de um excesso de neurotransmissores no espaço inter-sináptico à disposição dos receptores pós-sinápticos, facto biológico cuja correlação psicológica é uma sensação de magnificência, euforia, prazer, excitação sexual. Por este motivo, denomina-se o consumo da cocaína "Sindrome de Popeye", numa analogia dessa droga com o espinafre do conhecido marinheiro das histórias em quadrinhos. Uma vez bloqueados estes sítios, a dopamina e outros neurotransmissores específicos não são recapturados, ficando portanto, "soltos" no cérebro até que a cocaína saia. Quando um novo impulso nervoso chega, mais neurotransmissor é libertado na sinapse, mas ele se acumula no cérebro pelos seus sítios recapturadores estarem bloqueados pela cocaína. Acredita-se que a presença anormalmente longa de dopamina no cérebro é que causa os efeitos de prazer associados ao consumo da cocaína. Quando imaginamos que ocorrem cerca de trilhões de trocas neuroquímicas por minuto, fica evidente que o preço pago por viver uma experiência de euforia é alto demais em relação às características que o indivíduo terá que confrontar. O consumo prolongado da cocaína pode fazer com que o cérebro se adapte a ela, de forma que ele começa a depender desta substância para funcionar normalmente, diminuindo os níveis de dopamina no neurónio. Se o indivíduo parar de consumir cocaína, já não existe dopamina suficiente nas sinapses e então ele experimenta o oposto do prazer – fadiga, depressão e humor alterado. 

 

Os Efeitos Euforizantes Causados pelo Consumo da Cocaína

Recentemente, cientistas investigaram os efeitos euforizantes da cocaína através de estudos de imagens cerebrais, utilizando a tomografia PET (Positron Emission Tomography), um sofisticado método que permite observar a função dos neurónios através do seu metabolismo, usando substâncias radioactivas. O trabalho foi publicado na Revista Nature.

Eles descobriram que a cocaína ocupa ou bloqueia os "sítios transportadores de dopamina" nas células cerebrais (conforme dito acima, dopamina é uma substância sintetizada pelas células nervosas que age em certas regiões do cérebro promovendo, entre outros efeitos, a motivação). Os "sítios transportadores de dopamina" levam a dopamina de volta para dentro de certos neurónios, após ela ter dado uma "passeada" pelo cérebro, promovendo os seus efeitos. Se a cocaína ocupar o mecanismo de transporte da dopamina, esta substância fica "solta" no cérebro até que a cocaína saia, e é justamente a presença anormalmente longa dela no cérebro que causa os efeitos eufóricos associados ao consumo da cocaína.   

Tanto a dopamina como outras substâncias aumentadas no cérebro podem produzir vasoconstrição e causar lesões. Estas lesões podem incluir hemorragias agudas e enfarto no cérebro (zona de morte celular, causada por falta de oxigénio), bem como necrose do miocárdio, podendo levar à morte súbita.

Grávidas que consumam cocaína podem afectar os seus fetos, levando-os ao nascimento com baixo peso ou risco de rompimento da placenta, e até lesões irreversíveis do cérebro, causando deficiências mentais e físicas. Em muitos países, os  "bebés da cocaína" são um sério problema de saúde pública, que se está a agravar com a ampla disponibilidade do  "crack".

 

Porque a Cocaína Vicia?

A dependência à cocaína resultadas suas propriedades psico-estimulantes e acção anestésica local. A dopamina é considerada importante no sistema de recompensa do cérebro, e o seu aumento pode ser responsável pelo grande potencial de dependência da cocaína.

Um estudo de PET, feito por cientistas da Johns Hopkins University e o National Institute on Drug Abuse (NIDA) nos EUA, concluiu que o vício pela cocaína está directamente relacionado com um aumento no cérebro dos receptores para substâncias opióides, como as endorfinas, que são naturais, e drogas de abuso, como a heroína e o ópio. Quanto maior a intensidade do vício, maior é o número de receptores. 

Quando os viciados em cocaína que foram testados no estudo ficavam um mês sem consumir a droga, em alguns deles o número de receptores voltava ao normal, mas em outros continuava alto. Pode haver uma correlação entre esse facto e a susceptibilidade de o consumidor de drogas voltar ao vício ou não. 

 

Autores:

Sílvia Helena Cardoso, PhD, é doutorada em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo e pós-doutorada pela Universidade da Califórnia em Los Angeles.
É investigadora associada do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP e colaboradora da revista  "Saúde e Vida On Line" e editora chefe da revista Cérebro & Mente.

Renato M.E. Sabbatini, PhD, é doutorado em fisiologia pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado pelo Instituto Max Planck de Psiquiatria, Munique.
É investigador e Director do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, colaborador das revistas  "Saúde e Vida On Line" e Cérebro & Mente, e do jornal  "Correio Popular".

 

Fonte: http://www.cerebromente.org.br/n08/doencas/drugs/anim1.htm

 

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