A questão da cidadania africana que tanto se fala é incipiente do ponto de vista universal, quando as infraestruturas sociais e técnicas não conseguem responder às necessidades dos cidadãos e a pobreza acompanhada das enfermidades que lhe são características, toma proporções incontroláveis. A introdução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) na actividade académica permitiu que a abordagem do tema que nos propomos trabalhar tivesse uma maior abrangência na participação dos interlocutores a vários níveis, tornando assim mais simples a acção de pesquisa e recolha de dados.
Dissertar sobre a cidadania em África surge como necessidade de estudar factos que têm sido ignorados por algumas academias para o estudo das ciências africanas. Entre estas lacunas identificamos o entendimento, o papel da cidade no ser africano, a defesa dos direitos civis e políticos na identificação da personalidade, aspectos e marcos sociais e económicos que contribuirão para a cidadania em África e em particular em Angola.
As cidades africanas ganharam um novo sentido na forma de participação dos cidadãos no desenvolvimento do continente, como sugere Milando (2005). A forma como as populações em África participam no seu próprio desenvolvimento tem sido controverso e ambíguo. As populações africanas e algumas comunidades da América Latina e Asiática cuja génese de estudo é referenciada em pobreza devido ao "seu sistema de valores", encaram a pobreza como uma condição natural para uns e, outros, como "uma predeterminação divina" (Milando, 2005).
Estabelecer um projecto filosófico para enquadrar a natureza da vida social das cidades africanas torna-se uma tarefa complexa porquanto elas estão marcadas por uma variedade de fenómenos culturais e processos sociais complexos. Marshall criou o conceito de cidadania social (Marshall, 1965), argumentando que a experiência ideal de cidadania implicava o acesso a direitos políticos, civis e sociais no seio do Estado. Alguns estudiosos defensores de ideologias feministas argumentam que o ensaio de Marshall reflecte apenas a perspectiva dos homens brancos da classe trabalhadora. Argumentavam ainda que a sua afirmação de que na Inglaterra todas as pessoas eram livres e tinham direitos civis iguais era falsa, uma vez que apenas os homens tinham alguma liberdade jurídica e capacidade de exercício de direitos políticos ou civis. Para Marshall, a cidadania social representava o fim da história da cidadania, ideia que não é partilhada por autores como Steenbergen (1994), Gunsteren (1998) e Habermas (1994), entre outros que defendem diferentes noções de cidadania. Encontramos assim a cidadania neorepublicana de Gunsteren, a cidadania europeia de Habermas e a cidadania ecológica de Steenbergen. Herman Van Gunsteren (1998) desenvolve uma teoria de cidadania adaptada a era de reforma política que foi inaugurada pelas revoluções de 1989. Este autor interrogou-se sobre se a cidadania requereria um consenso moral, ou se seria a habilidade de organizar as diferenças o factor que permite as pessoas viverem juntas como cidadãos numa república.
Assim, o objectivo deste trabalho foi de identificar o papel que a cidade exerce sobre o exercício de cidadania nas províncias de Angola, especificamente em Benguela e Luanda.
A cidadania tornou-se global, alargando o seu horizonte. Os seus preceitos estão em mudança há quarenta anos, fruto da democracia participativa, embora haja uma corrente que defende que a cidadania deva ser repensada (Ribeiro, 2010). A partir da análise das cidades de Benguela e Luanda, conclui-se que estas vivem uma experiência de cooperação com técnicos estrangeiros há 40 anos, uma parceria que se revelou inglória em determinados sectores fundamentalmente na área produtiva, agrária e industrial, porque os dirigentes do país não dominavam os princípios de direcção e gestão dos referidos sectores.
Um problema salta à vista quanto às debilidades políticas, sociais e económicas de África que coabitam com democracias frágeis, fruto da desorganização estrutural que tais Estados vivem. Denota-se uma falta de coragem em reverem os modelos de governo importados das academias ocidentais em que se formaram, os dirigentes africanos. Os países vivem o dilema da insatisfação social das populações por um lado, o aumento da pobreza e por outro, a estruturação de uma elite de ricos. Tal como Torres (1999) descreve, a roda fora inventada e abdica-se de ser reinventada, não é preciso inventar uma nova democracia, mas sim adequar os modelos existentes e de sucesso à realidade local, para uma Cidadania Africana.
A necessidade de abstração do “Afropessimismo” (Torres, 1999), que do lado nativo nunca existiu, pois houve sempre a certeza que a barreira das clivagens políticas, tribais e étnicas seriam ultrapassadas e, a partir daí não se assume o afrocentrismo como estado de espírito, partindo do pressuposto que todo o plano estratégico de reconstrução dos Estados-nação no continente serão estruturados com calma.
Bibliografia
Bettencourt, Sandro. (2010). Em paz por terras de Angola. Lisboa, Edições Zebra.
Fontin, M. F. (2003). O processo de investigação da concepção e Realização. Loures/Lisboa: Editora Lusociência.
Milando, J. (2005). Cooperação sem Desenvolvimento . Viseu: Imprensa de Ciências Sociais.
Marshall, T. H. (1965)Citizenship and Social Class. Cambridge: Cambridge University Press.
Raposo, I.& Salvador C. (2007). Subúrbios de Luanda de Luanda e Maputo. Lisboa, Edições Colibri.
Ribeiro, I.P. F. (2010). Prática Pedagógica e Cidadania: uma interpretação crítica baseada na ideia da competência. Dissertação no Instituto de Educação da Universidade do Minho para a obtenção do grau de doutor.
Torres, C. A.Educando o cidadão Global – Cidadania, democracia e multiculturalismo. Disponível em www.eduglobalkcitizen.net.
Autora:
Rita Neto
Doutorada em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais
Universidade Lusíada de Angola
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* Este trabalho foi apresentado na 5ª Conferência Nacional sobre Ciência e Tecnologia, realizada em Luanda entre 26 e 28 de Abril de 2017.